ALTA

O presidente da bolsa de São Paulo, a B3, Gilson Finkelsztain, mal celebrou a marca de 1 milhão de investidores na bolsa, no primeiro trimestre, e já prepara uma nova festa. Menos de seis meses depois de ultrapassar aquela marca histórica, nos próximos dias ela deve chegar, segundo ele, a 1,5 milhão de pessoas físicas que investem diretamente em ações.


A afirmação, feita durante a abertura de capital da rede varejista C&A, dias atrás, deverá ser confirmada até o fim da próxima semana. Em setembro, a bolsa atingiu 1,441 milhão de investidores, um avanço de 89% em 12 meses, período em que as ações listadas no Ibovespa tiveram alta de quase 30%.


“Diante de um cenário de juros baixos, esse movimento é explicado pela necessidade de buscar alternativas mais rentáveis para o dinheiro”, disse o executivo durante o evento. “O cenário de manutenção de juros baixos pelo menos nos próximos dois anos, além da entrada na bolsa de nomes conhecidos do grande público, como a C&A, ajudam a popularizar o investimento em ações”. Ontem, a bolsa de São Paulo atingiu novo recorde, com alta de 0,54%, aos 108.779 pontos.

Historicamente, as altas taxas de juros no país desencorajam o risco, com altas rentabilidades de renda fixa. Com isso, os juros nominais e reais se tornavam obstáculos ao avanço da bolsa de valores. Na última semana, após a 226ª reunião, o Comitê de Política Monetária do Banco Central decidiu reduzir a taxa básica de juros em meio ponto percentual. Agora, o índice está em 5% ao ano – o menor valor da série histórica do Banco Central, iniciado em 1986.
 
De acordo com o economista Rodrigo Assumpção, especialista em planejamento financeiro da corretora Planejar, as aplicações na bolsa estão atraindo investidores de longo prazo. “Investimentos mais longos tendem a ter rentabilidade mais atraente”, afirma. “Mas o investidor que busca retorno de curto prazo corre o risco de entrar na alta e sair na baixa, por conta da euforia do momento”.


Ao comparar a renda fixa com o mercado de ações, a bolsa está em desvantagem. Nas últimas duas décadas, considerando uma taxa de juros que espelha a Selic, o CDI acumula uma elevação de 1.053%, contra 816% do Ibovespa. Já nos últimos três anos, o CDI avançou 25,7%, enquanto a bolsa teve alta de 65,15%. “Quanto mais a Selic cair e se mantiver em patamares baixos, como atualmente, mais sedutora será a bolsa de valores”, disse o analista de investimento da corretora EPG, Fernando Santacruz.


Tesouro 
Uma das modalidades mais procuradas de renda fixa, o Tesouro Selic deve ser um dos mais afetados por esse ambiente de juros baixos. Com possibilidade de cair dos atuais 5% ao ano para 4,5% até dezembro, o título mais procurado se assemelha ao retorno da poupança. De acordo com os dados do Tesouro, em setembro os títulos indexados à Selic foram os mais procurados na plataforma, com participação de 50,2% nas vendas. “Muitos continuam acreditando uma reviravolta da inflação e dos juros, mas esse é um cenário cada vez mais improvável no médio prazo”, disse o economista Mario Mantovani.


O segundo título mais vendido no Tesouro Direto em setembro, com participação de 30,5% do total, foi o Tesouro IPCA, e o terceiro, com 19,2%, o Tesouro Prefixado. O Tesouro IPCA oferece um rendimento híbrido, formado por juro real prefixado e correção monetária pela variação da inflação oficial no período calculada pelo IPCA. O Tesouro Prefixado é um título que embute juro prefixado (juro mais correção monetária), no qual o investidor só vai ter retorno se a inflação no período ficar abaixo do rendimento prefixado. Os rendimentos do Tesouro IPCA e do Tesouro Prefixado também têm passado por seguidos cortes, na esteira da redução da Selic.


A maior rentabilidade do mercado de ações na comparação com a renda fixa não significa que todos devem apostar tudo na bolsa, diz o agente de investimentos Fábio Fonseca Filho. Para ele, o ideal é manter a diversificação entre renda fixa e renda variável, limitando as ações em até 20% do capital.


Para quem é iniciante, o especialista sugere fundos de ações passivos, chamados de Exchange Traded Funds (ETFs), que têm como referência de rentabilidade determinado índice, como o Ibovespa. Dados recentes do Boletim Focus, do Banco Central, indicam que o mercado projeta uma inflação de 3,29% pela variação acumulada do índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2019, com uma Selic de 4,5%. Para 2020, estima uma inflação de 3,6% e Selic em 4,5% ao ano. Nas projeções da XP Investimentos, no entanto, o BC já mira Selic de 4,25%.


Perfil


Esse movimento de migração dos investimentos da renda fixa para a bolsa deixa evidente a maior aversão ao risco por parte das mulheres. Apesar do crescimento em número, o perfil do investidor pessoa física na bolsa ainda é bem desigual. Em setembro, 78% dos investidores eram homens e apenas 22% mulheres.

De janeiro a setembro, a captação dos fundos de ações alcançou R$ 47,7 bilhões, de acordo com dados da Anbima, associação que representa as instituições que atuam no mercado de capitais. Os fundos multimercados, que também têm uma parcela da carteira em renda variável, captaram R$ 56 bilhões apenas neste ano.


Perspectiva é de alta de 40% até 2020
O que já tem sido bom para o mercado de ações pode ficar ainda melhor até o fim do próximo ano. De acordo com reportagem do Valor Invest, um levantamento feito com 14 bancos, corretoras, gestoras e casas de análise mostra que a expectativa média é que o Ibovespa avance 11,5% em 2019, para 116 mil pontos, e quase 40% de hoje até o fim de 2020, chegando aos 144 mil pontos.


Essas projeções se sustentam na aposta de uma melhora generalizada da economia, com a aprovação da reforma da Previdência, elaboração de reformas política e tributária, além de um cenário de privatizações. “Os juros baixos, mesmo na ausência de crescimento da economia, devem fazer com que a bolsa tenha um desempenho positivo no fim do ano”, diz Igor Lima, gestor da Galt Capital. “Há uma agenda econômica mais clara e novo patamar de taxas de juros”.


O ambiente mais positivo é alimentado também por um discurso sincronizado da equipe econômica do governo. Na semana passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o Produto Interno Bruto (PIB) em 2020 será de pelo menos o dobro do resultado deste ano.


De acordo com o ministro, a economia brasileira deverá encerrar o ano corrente com crescimento de pouco menos de 1%, enquanto em 2020 esse número será de 2% ou 2,5%. “É a primeira vez que você tem essa combinação de crescimento com inflação descendo”, afirmou Guedes ao participar de evento em São Paulo. “O crescimento econômico está começando lento, mas, seguramente, já vai ser mais do que o dobro no ano que vem”, destacou Guedes.