Por Carolina Gonçalves e Mariana Tokarnia -

Agência Brasil

Brasília

Em meio a dezenas de meninos, Ana Paula Rocha, de 15 anos, e Lívia Damião Vieira, de 14 anos, chamavam atenção de quem passava para acompanhar uma das primeiras disputas de robótica do segundo dia da Olimpíada do Conhecimento que ocorre em Brasília até amanhã (8). Não apenas por serem as únicas mulheres, mas pela desenvoltura no manejo dos robôs criados para facilitar a dinâmica nos portos, como atracagem de navios e estacionamento de contêineres.

A cena ainda é tida como reflexo de um espectro da realidade do mercado de trabalho quando se trata de áreas voltadas para tecnologia, engenharia, ciência e matemática, ainda apontadas como atividades masculinas. Mas, caminhar pelos mais de 25 mil metros quadrados do local onde ocorre o evento pode mudar essa percepção.

“Sou mais da área de exatas e sempre gostei de robôs. Meu primeiro contato foi na escola, no 4º ano [do ensino fundamental], quando integrei uma equipe que tinha que montar um robô”, disse a estudante Ana Paula, de Vilhena, no estado de Rondônia. De uma turma de 18 componentes, em que seis são mulheres, ela não hesita em declarar: “Somos nós que comandamos [os projetos]. Tem muita oportunidade nessa área. A chance existe, só depende da gente aproveitar”, afirmou.

O que ocorre é que esta visão nem sempre é compartilhada por outras alunas. Lívia Damião Vieira, sua parceira no projeto apresentado hoje, admite que deve optar por uma profissão da área de humanas. “Falta coragem. É muito difícil você ser a única. São poucas as mulheres que vemos neste meio de trabalho.”

Autora de um estudo que avaliou exatamente a questão da presença feminina nesses campos de atuação, a especialista da Seção de Educação para a Inclusão e Igualdade de Gênero da Unesco Theophania Chavatzia explicou que ainda há uma série de fatores que explica a atual situação desse mercado. Além de elementos culturais presentes tanto nas escolas quanto nas famílias – que insistem em apontar essas áreas como dominantes dos meninos –, a falta de identidade também tem peso relevante.

“Elas não veem pessoas que se destacam nessas carreiras que sejam mulheres, isso tanto na mídia quanto na escola. As meninas tendem a acreditar que elas não são tão boas quanto os meninos. São estereótipos. Tendem a acreditar que são melhores em humanidades, por exemplo, e que não são boas em ciências ou que não são tão boas quanto os homens. Tendem a assimilar esse estereótipo e a ficar longe”, explicou, ao destacar isso é reflexo da socialização.

Gerente executivo de Educação Profissional do Senai Nacional, Felipe Morgado acredita que essa realidade já está mudando. Segundo ele, o aumento da participação das mulheres nesse mercado pode ser confirmada em números. Morgado afirmou que, entre as matrículas de cursos profissionalizantes para a indústria, metade dos inscritos é formada por mulheres. “É uma prioridade e é necessária para a quarta revolução industrial a participação das mulheres. Isso não é só o Senai que está dizendo, são organismos internacionais como a Unesco. Essa participação vem aumentando. Na impressora 3D de cimento [um dos projetos expostos no evento], que por exemplo, foi desenvolvida para a construção civil, tem mulheres na equipe. Muitas vezes, as mulheres têm visão mais ampla e conseguem contribuir mais nessas inovações”, disse.

Experiência

Primeira brasileira a trazer uma medalha para as mulheres no torneio internacional de educação profissional, o WorldSkills, na edição japonesa, em 2007, a catarinense Carla Mangoni De Bona, tenta criar condições para que as tecnologias tenham uma presença maior das mulheres.

Formada em design e consultora em experiência do usuário digital e com mais de 15 anos no mercado, Carla identificou o predomínio de mão de obra masculina nesses segmentos. Na expectativa de mudar esse cenário, fechou uma parceria com outras mulheres, criando, há dois anos, um projeto que foi batizado de Reprograma. A proposta é oferecer um curso com duração de 320 horas para capacitar mulheres em programação e repassar conhecimentos básicos de empreendedorismo. O programa também inclui um apoio de profissionais de referência na indústria.

“Nosso sonho é fazer com que as meninas passem pelo curso e entrem na área de tecnologia como desenvolvedoras ou que comecem um negócio, comecem a empreender, a mudar esse cenário”, explicou.

Segundo Carla, a primeira turma formada há dois anos tinha 18 mulheres. Desse total, 20% conseguiram uma colocação no mercado após o curso. Na segunda turma, com 25 mulheres, 80% conseguiram emprego. “O projeto as incentivou a buscar emprego ou encontrar vagas via networking a partir do curso, e os empregos foram na área de atuação das inscritas.”