SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quando os empresários brasileiros olham para frente, mirando os próximos seis meses, a maioria tem a expectativa de que o ambiente de negócios vai melhorar. O principal fator para o otimismo é a evolução da economia global.

Mas eles também vislumbram riscos que podem comprometer esse cenário. Além da incerteza com a pandemia, aparece com destaque a incerteza econômica e a falta de confiança na política econômica do governo.


Os dados constam da mais recente sondagem realizada pelo FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).

Pouco mais da metade das empresas brasileiras, 52%, afirma na sondagem que a falta de confiança na política econômica do governo é um dos principais fatores que estão influenciando negativamente as expectativas de evolução do ambiente de negócios nos próximos meses.


A incerteza econômica é citada por 71% das empresas, percentual superior ao das que apontam também a questão da pandemia (65%).


"A incerteza não é só econômica, mas esse é o fator preponderante", diz Viviane Seda Bittencourt, coordenadora das sondagens do FGV Ibre.


A desconfiança em relação ao compromisso do governo com o equilíbrio das contas públicas e a agenda de reformas econômicas, apontada na sondagem, tem contaminado vários indicadores.


A alta das taxas de juros de longo prazo já dificulta a rolagem da dívida pública, enquanto o real depreciado tem provocado problemas como a alta nos preços de insumos importados, elevando custos.

 

O percentual de desconfiança em relação à política econômica é mais alto no varejo, opção citada por 68% das empresas de um dos setores menos afetados pela pandemia.


Essa preocupação está em torno de 45% das empresas nos demais setores.


A preocupação com a pandemia se destaca nos serviços, citada por 77% dos entrevistados no setor que mais depende do fim da crise sanitária para voltar a crescer.


O fim dos auxílios emergenciais aos consumidores e dos programas de ajuda às empresas é apontado por cerca de 25% dos entrevistados como uma das principais preocupações.


Essa questão é mais destacada pelos empresários da indústria (48%), principalmente nos segmentos de alimentação (70%) e limpeza e perfumaria (100%). Ou seja, por segmentos cujas vendas têm sido impulsionadas pelo programa emergencial.


No comércio, a questão do auxílio é mais citada nos segmentos de material de construção e de móveis e eletrodomésticos (58% de empresas com essa preocupação).


"Mesmo a indústria, que é a mais otimista entre os setores e tem uma recuperação muito acima dos demais, está preocupada com o fim dos auxílios emergenciais ao consumidor, o que pode diminuir a demanda interna", diz a pesquisadora.


Na sondagem com 2.785 empresas, os principais fatores positivos que estão influenciando as expectativas são as perspectivas de retomada da economia mundial e a consolidação da recuperação do setor, apontados por mais de 50% dos entrevistados.

O setor de serviços é o que tem menor percentual de empresas com expectativas positivas (62%). Na indústria, 79% estão otimistas.


Dados do Monitor do PIB do FGV Ibre mostram que o consumo de bens, impulsionado pelo auxílio emergencial, voltou em julho ao nível anterior à pandemia e, em agosto, estava 0,8% acima do nível de fevereiro.


Nos serviços, ainda está cerca de 10% abaixo do período pré-pandemia. Com isso, o consumo total (que é praticamente dividido meio a meio entre bens e serviços) ainda apresenta queda de 5,8%.


"Da queda de quase 10% do consumo de serviços, aproximadamente 5 pontos percentuais se devem a alojamento e alimentação, com uma recuperação que ainda não foi suficiente, mesmo depois dessa flexibilização", afirma Juliana Trece, economista do Núcleo de Contas Nacionais do FGV Ibre.


"A indústria está com muito mais velocidade. Nos serviços, parece que só com uma solução para a questão da pandemia, que permita aglomeração", afirma a pesquisadora.


O economista Claudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do FGV Ibre, afirma que o setor de outros serviços representa cerca de 25% dos serviços totais, que por sua vez respondem por aproximadamente 70% do PIB.


"Isso significa que cerca de 15% do PIB não está voltando."


As prévias das sondagens do Ibre têm mostrado que a indústria ainda está otimista, mas há um descolamento em relação às expectativas dos consumidores e de outros setores.

"Na prévia de outubro a gente vê a indústria melhorando, enquanto os demais setores apresentam uma certa redução. A gente também teve a maior diferença entre confiança dos consumidores e da indústria. Existe uma diferença muito grande entre empresários e consumidores", afirma Bittencourt.


"Isso corrobora a análise que a gente tem feito de que o consumidor está mais cauteloso em utilizar os serviços e voltar a fazer atividades como viagens e ir a teatro e cinemas por conta desse medo em relação à pandemia. Há uma perspectiva melhor de retomada da indústria e da construção e menor do setor de serviços", afirma a coordenadora das sondagens do FGV Ibre.


Grandes empresários estão insatisfeitos com rumo econômico


São Paulo"Na cúpula empresarial brasileira a preocupação com a política econômica é crescente. Até grandes empresários que sempre defenderam o atual governo estão insatisfeitos em alguns pontos, sobretudo com a demora para tirar as privatizações do papel e a falta de empenho para fazer com que as reformas avancem no Congresso.


"As reformas têm que deslanchar. Precisa sair do campo teórico e ir pro campo prático", diz Rubens Ometto, acionista das empresas Raízen, Comgás, Cosan e Rumo, que atuam no ramo de combustíveis, açúcar e logística e faturam R$ 80,1 bilhões ao ano.


Ometto diz que, dado o atual momento, já "está meditando" sobre o que mais o preocupa: a pandemia ou a agenda econômica.


Essa insatisfação com a execução dos projetos do governo faz coro com a de outro grande empresário, Lírio Parisotto, da petroquímica Innova, que fatura R$ 3,2 bilhões por ano.


"O governo não fez nada das privatizações, nem a reforma administrativa. Esse governo é uma decepção, dois anos se passaram e não aconteceu nada. Nenhuma mísera privatização. Até a da Previdência é uma reforma capenga que deveria ser mais profunda."


Segundo ele, a expectativa no início de 2019 era muito alta.

"Todos esperavam uma gestão mais eficiente nesses pontos chaves."


Para Ricardo Lacerda, do Banco BR Partners, um dos líderes em fusões e aquisições, que realizou mais de R$ 200 bilhões em operações, é compreensível que a situação fiscal brasileira tenha se agravado durante a pandemia, mas não há justificativa para a interrupção de reformas, como a tributária e administrativa.


"O que preocupa é a paralisação da agenda de reformas, que teria que ser implementada para compensar o agravamento da situação fiscal. E a gente vê dificuldade de evoluir com isso.

Ninguém também espera aumento de impostos para compensar, porque agravaria mais ainda a situação", afirma Lacerda.


Pedro Wongtschowski, acionista e presidente do conselho de administração da Ultrapar, empresa que teve um faturamento de R$ 89 bilhões em 2019, considera o quadro econômico mais crítico que o pandêmico.


Enquanto o cenário para a saúde pública melhora com a perspectiva de criação de uma vacina, a perspectiva econômica turva, comprometendo a confiança para investir.


"São grandes as incertezas decorrentes da ausência de uma higidez fiscal, diante de um câmbio desvalorizado e longe da estabilidade, de um desemprego elevado e de uma redução de consumo por conta da queda de auxílios pagos pelo governo. E ainda tem o risco de inflação. É um cenário que não convida ao investimento", diz Wongtschowski.


Um termômetro para ele é o comportamento dos investidores.


"O próprio processo de privatização está indo muito mais lento e tem atraído interesse de investidores nacionais. A fuga de capital estrangeiro também é preocupante."


Horácio Lafer Piva, acionista da Klabin, considerada a maior produtora e exportadora de papéis para embalagens do Brasil e que teve um faturamento de R$ 10,24 bilhões em 2019, declara ter uma dupla angústia.


De um lado, mantém a preocupação com o coronavírus e teme os efeitos quando se baixa a guarda com a doença. "A pandemia ocupou tanto espaço de todos. Há um cansaço natural entre empresários e trabalhadores. Agora, as pessoas estão voltando a ter uma vida normal –o que é um perigo", diz ele.


Mas o que considera falta de rumo da política econômica também lhe preocupa. "As políticas são erráticas, voláteis. O teto fura ou não fura? As reformas não andam. Faz ou não faz a reforma tributária e a administrativa?", questiona Piva.