ANALISTAS

 
Enquanto continua registrando índices elevados de desmatamento na Amazônia, o Brasil reafirma a fama de pária do mundo decorrente do desmantelamento de órgãos fiscalizadores, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Isso tem ajudado a paralisar o processo de conclusão do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia (UE), firmado no ano passado após 20 anos de negociação. Atualmente, analistas não veem uma saída fácil para o Brasil.

Nem mesmo o fato de a Alemanha, maior beneficiada pelo tratado, presidir o Conselho da União Europeia contribuiu para acelerar a ratificação do acordo pelos parlamentos dos 27 países membros. A esperança do governo, como tem declarado o Ministério da Agricultura, é que Portugal, que assumirá a presidência pro-tempore do bloco no primeiro semestre de 2021, tenha alguma disposição em retomar as conversas.


Nos últimos meses, países como Bélgica, Áustria, Holanda e França anunciaram restrições ao acordo apontando problemas ambientais do Brasil. E importadores já boicotam produtos brasileiros, principalmente, aqueles vindos de áreas desmatadas, e exigem rastreabilidade do exportador. Pelas sinalizações dos líderes na cúpula do G20 (grupo de 19 nações emergentes e avançadas mais a União Europeia), neste fim de semana, as pressões dos países europeus devem aumentar, tanto que a UE pretende condicionar acordos comerciais a critérios de compromissos ambientais, de biodiversidade e redução de emissões de carbono. Os europeus, inclusive, propõem uma reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC), para que, a partir de 2021, coloque em prática impostos climáticos sobre bens originários de países onde as leis ambientais não sejam adequadas.


Falta de estratégia


Apesar desse quadro preocupante para o Brasil, integrantes do governo e o presidente Jair Bolsonaro minimizam o fato, usam um discurso desconectado da boa diplomacia e parecem que não vislumbram queda nas trocas comerciais. Especialistas ouvidos pelo Correio, no entanto, alertam que as perdas estão em curso e não são apenas de imagem. Segundo ele, o governo não tem uma estratégia clara para lidar com o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China.


Quando o acordo foi assinado, o governo brasileiro informou que esperava mais do que duplicar as exportações para a Europa, chegando a US$ 100 bilhões até 2035. No ano passado, as exportações brasileiras para o bloco europeu caíram pelo segundo ano consecutivo, após um princípio de retomada entre 2017 e 2018.


A UE importa muito mais produtos brasileiros do que os Estados Unidos, e analistas reconhecem que o atual governo não tem dado a devida atenção para esse fato. De janeiro a outubro de 2020, os embarques brasileiros para a UE somaram US$ 24,1 bilhões, registrando queda de 14,7% na comparação com o mesmo período de 2019, dado bem abaixo do pico de quase US$ 48 bilhões de 2011. Em 2019, a queda foi de 15,8%.


O volume embarcado neste ano para o bloco europeu é U$ 7 bilhões superior aos US$ 17,1 bilhões exportados para os Estados Unidos — volume , por sua vez, 30,6% inferior ao registrado no mesmo intervalo do ano passado. Vale lembrar que a diferença entre esses dois fluxos vem aumentando e que a balança com os europeus é mais favorável para o Brasil, com saldo comercial positivo de US$ 2 bilhões, enquanto que, com os EUA, o país registra deficit comercial de US$ 2,9 bilhões.

Competitividade


O diplomata Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington, lembra que o comércio do Brasil com a UE vem declinando devido à falta de competitividade dos produtos brasileiros, e que recuperar a competitividade é um dos maiores desafios para o país. O superavit ocorre devido às exportações de commodities, que têm grande peso na pauta com os europeus. “Se o Brasil não conseguir ser competitivo, não adianta o acordo com a UE. O país não conseguirá exportar. O problema adicional é que a questão ambiental vai apertar, e não tem a ver com protecionismo dos europeus. O meio ambiente é um problema global e, se o governo não entendeu isso, não entendeu a natureza dos protestos dos países membros ao acordo com o Mercosul”, alerta.


Para Barbosa, se o governo não mudar a política ambiental, dificilmente o acordo será ratificado. “Existe uma onda verde na Europa, com partidos e ambientalistas ganhando força no continente e nos parlamentos. A percepção lá é que ter política ambiental em relação à Amazônia vai ser muito importante. Ou ajusta a política, ou vai ter que enfrentar restrições comerciais”, avisa.


Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente, faz um alerta sobre a deterioração da imagem do Brasil na Europa, que é uma realidade. O governo, segundo ele, está sendo “muito imprudente com uma atitude de falsa segurança”, achando que, só porque as vendas para a China e para os países asiáticos estão indo bem, isso pode compensar qualquer perda no mercado europeu. “Isso é uma burrice. Quanto mais mercado, melhor para um país e para a economia. Perder mercado é sempre muito ruim. Além disso, os asiáticos também estão começando a se preocupar com questões ambientais, e algumas tradings já sinalizaram exigir alguma segurança de que a soja que importam não venha de áreas desmatadas”, alerta.


De acordo com Ricupero, o novo governo dos Estados Unidos, seguramente, vai ampliar as exigências ao Brasil na área ambiental, como ocorre com a União Europeia. “Os mercados vão ficar mais exigentes à medida que eles adotam o plano de chegar à economia de carbono zero o mais depressa possível. Eles vão criar uma tarifa para equalizar a competição com os países que não adotaram os mesmos padrões, tanto que os europeus já estão entrando com essa exigência na OMC”, reforça.


Prós e contras


Especialistas apontam vantagens e desvantagens do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul. Para o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, o Brasil deixa de ganhar se não tiver vantagens comparativas para diversificar mais as exportações e incluir produtos com maior valor agregado para os europeus.


“Para o país ter vantagens comparativas com o acordo UE-Mercosul, as reformas estruturais prometidas pelo governo, como a tributária, e a redução da burocracia e a ampliação de investimentos em infraestrutura são fundamentais para a recuperação da competitividade. O famoso custo Brasil tem um peso nas exportações brasileiras de 30%. Isso impede a diversificação da pauta exportadora e deixa o país dependente de commodities. Todos queremos que haja abertura, mas o Brasil precisa melhorar as condições para competir. Abrir o mercado sem isso, unilateralmente, é um tiro no pé”, destaca Castro.


O especialista em relações internacionais Wagner Parente, CEO da BMJ Consultores Associados, lembra ainda que a relação entre o Brasil e os países da UE está estressada, não apenas pela questão ambiental. “A UE, como bloco, é o maior investidor no Brasil. Com o aumento da percepção de risco político, o país perde espaço para atrair investimentos das multinacionais europeias instaladas no país”, destaca.


Parente lembra que, recentemente, o comissário de Comércio da UE, Valdis Dombrovskis, fez menção ao risco ambiental para a ratificação do acordo do bloco com o Mercosul. “Os atores-chave da União Europeia estão sinalizando negativamente e as barreiras comerciais não oficiais, de empresas privadas, estão sendo levantadas devido à piora na imagem do país. O estrago já está feito e tem grandes marcas de produtos brasileiros sendo evitadas nos supermercados”, destaca.


Imagem


O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar, reconhece que a piora na imagem do país tem feito crescer o movimento de exigências dos países europeus para que as empresas que exportam para a Europa tenham um maior controle da cadeia produtiva e mostrem que, na produção primária, não houve ilegalidade, sobretudo, desmatamento.


“Esse é o tipo de movimento que está acontecendo. Os países pretendem e estão anunciando criar legislações que obriguem as empresas a comprar a origem dos produtos, como a carne, a soja e o milho. Isso, até agora, não afetou o mercado para a soja brasileira, mas vai gerar custos adicionais na nossa cadeia, e, evidentemente, nos obrigar a eliminar qualquer tipo de desmatamento ilegal”, reconhece Nassar.


Paulo Adário, estrategista Internacional de Florestas do Greenpeace, destaca que o desmatamento registrado no país neste ano já supera em mais de três vezes a meta estipulada para o Brasil cumprir o Acordo de Paris.


“A meta fixada de desmatamento para 2020 era de 3.925km², que consta no compromisso dos brasileiros no acordo, mas como o quadro de aumento do desmatamento está completamente associado às políticas adotadas pelo governo Bolsonaro, este ano, devemos chegar a 13.000km²”, calcula Adério. “Logo, o Brasil não vai cumprir os compromissos, e não tem nenhum mecanismo no acordo que torne isso obrigatório. E esse é um dos problemas do tratado”, crítica. Na avaliação do especialista, apesar de ter uma cláusula ambiental, o texto do acordo UE-Mercosul é mal redigido, não é benéfico para os blocos e, portanto, não deveria ser ratificado do jeito que está.