Economista jovem, estrangeira e especialista em negócios, D'Auria era espécie rara no ambiente de negócios do Oriente Médio
Quando desembarcou em Dubai, a meca dos negócios nos Emirados Árabes Unidos, há dez anos, para prestar assessoria financeira a empresas de tradição familiar e administração masculina, a analista financeira Gemma D'Auria, 40, esperava encontrar, além da notória volatilidade política local, um ambiente hostil a mulheres.
A região é célebre por interpretações mais ou menos rígidas da sharia, a lei islâmica, responsável por alguns dos regimes mais opressores contra mulheres no mundo.
"Sei o quanto isso é contraintuitivo, mas é fato que o preconceito contra mulheres no mundo corporativo dos países do Oriente Médio é tão grande quanto em Wall Street", afirma. "Infelizmente, este é um problema que não conhece fronteiras."
Economista jovem, estrangeira e especialista em negócios, D'Auria era espécie rara no ambiente de negócios do Oriente Médio.
Ela trabalhava no escritório da consultoria McKinsey em Nova York havia três anos quando se mudou para os Emirados Árabes a serviço da empresa, interessada em atuar em mercados emergentes.
"O universo financeiro e o ambiente de negócios são dominados por homens ali e em qualquer parte do mundo. Meus clientes do golfo Pérsico, no entanto, sempre me respeitaram pelo conhecimento e pelas soluções que eu lhes trazia", explica ela.
D'Auria prefere ver os progressos nos costumes dos países mais conservadores da região a olhar para as violações de direitos das mulheres que ali persistem.
A Arábia Saudita, por exemplo, conhecida por obrigar mulheres a cobrir seus corpos de preto, restringir suas oportunidades de divórcio e condicionar suas viagens internacionais, passou a permitir que elas dirijam sozinhas.
O país nomeou a primeira mulher para um cargo público -ainda que seja o singelo prefeita-assistente de uma pequena cidade.
D'Auria tem quatro filhos pequenos e, como exemplo, diz que sempre contou com a compreensão de seus clientes nos momentos de restrição impostos pela maternidade.
"Existem muitas generalizações sobre o Oriente Médio. São países que estão passando por transformações tremendas e cuja presença de estrangeiros de toda parte tem impactado nos costumes e no tecido social", avalia. "Trata-se, sem dúvida, do ambiente mais internacional em que já trabalhei."
Os desafios encontrados por D'Auria na região foram outros dois.
O primeiro era relativo à demanda dos clientes de mercados emergentes. "Diferentemente dos mercados estabelecidos, as empresas ali só pensam em crescimento e em se tornar competitivas globalmente", afirma.
O segundo, relativo à cultura local de negócios, era familiar à analista.
Assim como em sua Itália natal, D'Auria precisou criar laços pessoais com os clientes. "Ao contrário dos Estados Unidos, naqueles países as relações pessoais são muito importantes. Então, você tem de investir seu tempo para permitir que os relacionamentos se desenvolvam", diz.
Ela lembra que teve de estudar a invasão do Kuait pelo Iraque, em 1990, que conduziria à primeira Guerra do Golfo (1990-1991), quando conquistou seus primeiros clientes no país.
"Precisava entender o impacto daqueles eventos para aquela sociedade para estar segura de que teria esses pontos de conexão com meus clientes", diz.
D'Auria migrou da área financeira para a de design e cultura organizacional e hoje é sócia da McKinsey no escritório que atende todo o Oriente Médio, que já representa uma das maiores operações da consultoria internacional.
Seus principais clientes são os gigantes varejistas de Dubai, maior setor da economia dos Emirados Árabes, responsável por 27% de seu PIB (US$ 349 bilhões em 2016), além dos donos das grandes fortunas nos países vizinhos.
A necessidade de se relacionar no nível pessoal com os empresários cujos negócios D'Auria aconselha se mostrou providencial, segundo ela.
"Boa parte do que faço é observar as lideranças e os times que guiam as empresas e ajudá-los a mudar individualmente para se tornarem mais eficientes", afirma.
A analista diz haver alguns traços comuns entre as empresas do Oriente Médio, da Itália e do Brasil, que visitou em maio para uma série de encontros com empresários.
"Esses países têm organizações que tendem a ser muito hierarquizadas, o que significa que suas lideranças lançam uma grande sombra sobre os demais funcionários, que passam a depender das mudanças na cúpula para também saírem da inércia."
Um segundo ponto em comum está relacionado às demandas das empresas: trocar a chamada intuição para os negócios por decisões baseadas em análise de dados além da busca por uma dimensão digital de suas empreitadas. Com informações da Folhapress.