Governo estuda criar um ‘colchão’ para amortecer a volatilidade dos preços do combustível na bomba
A Petrobras está diante de uma escolha de Sofia: ou assume o papel de estatal, com todo o peso da frase “O petróleo é nosso”, e fornece combustível com preço justo a todos os brasileiros, ou cumpre sua obrigação de dar lucro a seus acionistas – desde o governo até os aventureiros da Bolsa. As duas coisas, aparentemente, são incompatíveis (isso sem levar em conta a corrupção, que agravou tudo). A missão do novo presidente, Ivan Monteiro, é conciliar os dois lados.
Pedro Parente saiu porque sabia que a crise não estava no fim e não há solução à frente. Depois do acordo feito para reduzir o preço do diesel, todos os olhos se voltarão para a gasolina – que neste sábado (2) teve mais uma alta de 2,25%, o equivalente a R$ 0,04, no preço do produto que sai das refinarias. Passou de R$ 1,9671 por litro para R$ 2,0113 (sem impostos e sem o lucro de distribuidoras e postos).
Foi a segunda elevação seguida na gasolina, depois de cinco quedas. Ao longo da semana em que os caminhoneiros pararam o país, o combustível acumulou redução de 6,4%. Em menos de dois meses, porém, o preço da gasolina já subiu 16%. A inflação oficial no ano, até o fim de abril, era de 0,92%. Nem é preciso ser bom em contas para perceber a distância entre uma coisa e outra.
A saída de Parente abriu espaço para o crescimento da ideia defendida pelo ministro de Minas e Energia, Moreira Franco. Ele afirma já ter iniciado conversas técnicas com a Agência Nacional de Petróleo (ANP) para elaborar o que classificou como “colchão” de proteção ao consumidor final. Seria um mecanismo de amortecimento dos preços dos combustíveis, para proteger o cidadão da volatilidade nas bombas. O desafio é hercúleo: esse mecanismo terá que preservar a atual prática de preços de mercado para o produtor e o importador, que é ponto fundamental para a atração de investimentos, mas trazer “previsibilidade e segurança” ao consumidor. Para conseguir essa proeza, esse colchão terá que ser do porte de um pula-pula de parque de diversões. (Com agências)
Xô, fantasma!
A indicação de Ivan Monteiro como novo presidente da Petrobras foi bem recebida, mas investidores ainda não estão seguros de que a política de preços da estatal será mantida. O maior temor é que a empresa deixe de ter autonomia para definir o valor dos combustíveis em paridade com o preço praticado no exterior. “O fantasma da ingerência do governo na Petrobras será um dos maiores desafios para Monteiro. Ele vai ter que mostrar que não vai ceder às pressões do governo para sustentar preços em um nível muito baixo”, diz Alexandre Wolwacz, sócio-fundador do Grupo L&S.
Até quando?
Distribuidoras de combustíveis e produtores de biodiesel estão preocupados com medida adotada pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) durante a greve dos caminhoneiros. A agência flexibilizou a mistura de etanol na gasolina (de 27% para 18%) e a do biodiesel no diesel (de 10% para zero) para evitar o desabastecimento. Também suspendeu a exigência de que posto de uma bandeira compre só de sua respectiva distribuidora. A greve acabou, mas a medida segue em vigor. As distribuidoras temem adulteração de combustíveis.
Histórico
Novos tempos. Em outubro de 2016, cinco meses após a chegada do ex-presidente Pedro Parente à Petrobras, a estatal anunciou mudanças em sua política de preços. Um comitê de executivos foi formado apenas para definir valores, que passaram a ser alinhados aos preços internacionais.
Primeiro, baixou. A primeira decisão do comitê foi baixar os preços nas refinarias, já que, desde o início de 2016, a cotação do barril de petróleo vinha em queda. Até outubro, enquanto o impeachment de Dilma Rousseff provocava a mudança do governo federal, a Petrobras manteve seus preços e engordou o caixa.
Deu errado. A redução dos preços lá fora incentivou distribuidoras a importar combustíveis, já que a Petrobras, única produtora nacional de derivados, comanda os preços domésticos. A estatal reduziu os preços para não perder mercado.
Nova política. Em julho de 2017, a Petrobras introduziu os reajustes diários. A lógica da política ficou mantida, mas a estatal passou a anunciar o valor nas refinarias a cada dia.
Disparou. O preço médio da gasolina para o consumidor final no Brasil, em junho de 2017, era R$ 3,548. Em 25 de maio, último levantamento da ANP, chegou a R$ 4,308.
Culpa de quem? A Petrobras diz que o preço na refinaria responde por 33% do valor na bomba. Tributos federais são 15%; ICMS (imposto estadual), pesa 28%, na média nacional; o etanol adicionado à mistura da gasolina responde por 12%, enquanto os outros 12% se referem às margens de distribuição e revenda.