Chargista, escritor e jornalista e um dos fenômenos da literatura brasileira, Ziraldo morreu neste sábado (06/4), aos 91 anos. De acordo com a família, a causa da morte foi falência múltipla dos órgãos. O velório será amanhã, na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), das 8h às 14h, e o sepultamento no Cemitério São João Batista, às 16h30, no Rio de Janeiro.

Nascido em 24 de outubro de 1932, em Caratinga, no Vale do Aço mineiro, Ziraldo Alves Pinto é o filho mais velho de uma família de sete irmãos. Foi batizado com a inusitada combinação entre os nomes da mãe, a costureira Zizinha, e do pai, o bancário Geraldo.

Menino, Ziraldo era conhecido por rabiscar todos os lugares por onde passava – da calçada às carteiras da sala de aula. Aos 7 anos, publicou seu primeiro desenho no extinto jornal Folha de Minas, de Belo Horizonte. Em 1949, mudou-se com o avô para o Rio de Janeiro, onde divulgou seu primeiro cartum nas páginas da revista A Cigarra.

 

Em 1957, ele se formou em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mudou-se novamente para o Rio de Janeiro. Lá, trabalhou na revista O Cruzeiro, publicação dos Diários Associados que circulou de 1928 a 1975. Foi ali que lançou, em 1959, a série de quadrinhos que o projetaria: a Turma do Pererê, formada por personagens bem brasileiros liderados por um saci, amigo do índio Tininim e da onça-pintada Galileu.

Essas histórias de Ziraldo, que valorizam a brasilidade, o meio ambiente e a inclusão social, uniram a leveza do humor à postura crítica diante da realidade sociopolítica do Brasil. O sucesso fez com que a turminha ganhasse um gibi à parte, cuja circulação durou até 1964 e se encerrou com a chegada da ditadura militar. A Editora Abril retomou a publicação entre 1975 e 1976.

Em 1963, Ziraldo tornou-se colaborador do Jornal do Brasil e da revista Pif Paf, dirigida por Millôr Fernandes (1923-2012). Suas charges eternizaram personagens do dia a dia brasileiro, como Jeremias, o Bom, símbolo dos conformados com a ditadura militar, e a Supermãe, espécie de caricatura da maternidade. Mineirinho, o Comequieto, por sua vez, era um conquistador machista.

Artista gráfico respeitado – com passagens em agências de publicidade –, Ziraldo assinou cartazes de vários filmes. Entre eles, Os fuzis (1974), Os cafajestes (1962) e Os mendigos (1962).

Seu best-seller “O Menino Maluquinho”, lançado em 1980, vendeu 3 milhões de cópias e ganhou 116 edições.

DITADURA

A resistência à ditadura militar marcou a trajetória de Ziraldo. O mineiro atuou ativamente no semanário humorístico O Pasquim, fundado em 26 de junho de 1969, ao lado de Jaguar, Tarso de Castro, Claudius, Sérgio Cabral, Millôr Fernandes e Paulo Francis, entre outros intelectuais e chargistas.

Marco da imprensa independente, o jornal conquistou gerações de jovens e intelectuais com sua linguagem coloquial e tom debochado. Censores chegavam a cortar dois terços do que era produzido pela redação, cujos editores foram presos várias vezes. Uma delas, no dia seguinte à edição do AI-5, em 14 de dezembro de 1968.

“Desenhei muito na prisão. Não fui torturado fisicamente, mas, assim como muitos companheiros – O Pasquim inteiro –, sofri todo tipo de humilhação. O motivo real das prisões nunca era muito claro: éramos detidos e passávamos um tempo ali sem muitas explicações. A impressão que tenho é que, muitas vezes, não éramos libertados logo porque não se sabia ao certo quem tinha mandado prender quem. E as pessoas tinham receio de contrariar as ordens de alguém que pudesse ser importante”, contou o chargista à revista Marie Claire, em 2005.

OSCAR

Em 1969, Ziraldo ganhou o Oscar Internacional do Humor, em Bruxelas. No mesmo ano, lançou seu primeiro livro para crianças, Flicts, premiado pela Academia Brasileira de Letras. Em 1980, ele receberia sua maior consagração como autor infantil com O Menino Maluquinho, que lhe deu o Prêmio Jabuti, concedido pela Câmara Brasileira do Livro, em São Paulo. Até hoje, o best-seller é amado pelas crianças.

"O Menino Maluquinho" foi adaptado para teatro e cinema. Rodada em Belo Horizonte, a primeira versão do longa, lançada em 1995, foi dirigida pelo mineiro Helvecio Ratton. Em 1998, estreou O Menino Maluquinho 2: A aventura, filme dirigido por Fernando Meirelles e Fabrizia Pinto, filha de Ziraldo. O livro também inspirou uma ópera infantil criada pelo maestro Ernani Aguiar, que estreou em Juiz de Fora.

BUNDAS

Em 1999, Ziraldo criou, de uma só vez, duas revistas: Bundas e Palavra. A primeira foi uma resposta bem-humorada à ostentação dos “famosos” que semanalmente apareciam na Caras. Reuniu escritores, analistas políticos e cartunistas, muitos deles revelados n'O Pasquim. Ao contrário do que o nome sugeria, tratava de temas sérios, ligados ao destino político do país.

Por sua vez, Palavra se destinava a divulgar e discutir a arte criada longe do eixo Rio-São Paulo. Era uma publicação marcada pelo requinte da produção gráfica e pela originalidade do conteúdo. Em 2002, nova investida editorial: Ziraldo criou O Pasquim 21, jornal semanal que remetia ao já extinto O Pasquim.

No carnaval de 2003, Ziraldo foi homenageado pela escola de samba paulistana Nenê de Vila Matilde, que levou para a avenida o enredo “É melhor ler... O mundo colorido de um maluco genial” e ficou em quarto lugar. Do alto de um enorme carro alegórico, Ziraldo não escondeu a emoção durante o desfile.

OBRAS

Flicts (1969)
Jeremias, o Bom (1969)
O Planeta Lilás (1979)
O Menino Maluquinho (1980)
A bela borboleta (1980)
O bichinho da maçã (1982)
O joelho juvenil (1983)
Os dez amigos (1983)
O menino mais bonito (1983)
O pequeno planeta perdido (1985)
O Menino Marrom (1986)
O bicho que queria crescer (1991)
Este mundo é uma bola (1991)
Um amor de família (1991)
Cada um mora onde pode (1991)
Vovó Delícia (1997)
A fazenda maluca (2001)
A menina Nina (2002)
As cores e os dias da semana (2002)
Os meninos morenos (2004)
O Menino da Lua (2006)
Uma menina chamada Julieta (2009)
O Menino da Terra (2010)
Diário de Julieta (2012)


 

*Com Cecília Emiliana, especial para o em.com.br