Por Akemi Nitahara
Agência Brasil
Rio de Janeiro
Após dois anos de crise - com atrasos no pagamento de salários, paralisações e cancelamentos de espetáculos em decorrência dos problemas financeiros enfrentados pelo estado do Rio - o Theatro Municipal do Rio de Janeiro completa 109 anos e retomou suas atividades em 2018. Segundo o presidente da instituição, Fernando Bicudo, os salários estão em dia e o pior momento já passou, o que possibilitou a retomada de apresentações com os corpos artísticos da própria instituição. Para ele, o primeiro semestre foi simbólico, com espetáculos marcantes, a Ressurreição e Ode à Alegria.
“E neste domingo [22] nós temos a imensa alegria de apresentar Nelson Freire, um dos cinco maiores pianistas do mundo, que depois de 20 anos vai tocar dois concertos para orquestra no mesmo dia, com a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal, regida pelo maestro Marcelo Lehninger”, diz o presidente.
O primeiro semestre foi marcado pelo Concerto da Ressurreição, que é a Segunda Sinfonia de Mahler, e foi executado pela orquestra do theatro com a Orquestra Sinfônica Brasileira. Houve também uma produção multimídia do Baile de Máscaras, de Verdi, e Joias do Ballet, além da estreia do novo diretor musical da orquestra, Claudio Cruz, com Ode à Alegria, nona sinfonia de Beethoven, e apresentação dos três corpos artísticos. O presidente destaca que as apresentações gratuitas do último dia 14, para celebrar os 109 anos da instituição, atraíram mais de 5,6 mil pessoas.
As visitas guiadas e os concertos a preços populares continuam como atrações. “Tivemos vários eventos a R$1 e outros até gratuitos, como o aniversário”, disse.
Apesar da proibição de realizar concursos para a orquestra, corpo de baile e coro, impostos pelo acordo de recuperação econômica do estado assinado entre os governos do Rio e federal, Bicudo adianta que a programação para o segundo semestre está “brilhante”.
“Estamos viabilizando parcerias para continuar com a nossa programação. Em parceria com [os produtores] Cláudio Botelho e Charles Miller vamos fazer West Side Story, com a versão original do musical da Broadway, com coreografia do Jerome Robbins e coro e orquestra do theatro. Depois as Joias da Ópera, vamos repetir o Joias do Ballet, porque foram três apresentações esgotadas”.
Para o segundo semestre, serão apresentados também o balé Copélia, em agosto com o corpo de baile, e Lago dos Cisnes, em dezembro, que foi cancelado no ano passado por causa da crise.
Bilheteria
Apesar dos salários em dia, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Entidades Públicas da Ação Cultural do Estado do Rio de Janeiro (Sintac) e integrante do coro do theatro, Pedro Olivero, disse que não foi repassada a verba de R$ 53 milhões para fazer a programação e manutenção.
“O problema é que este ano o governo não repassou verbas para fazer a programação, então estamos fazendo um plano B porque a programação toda que foi anunciada o dinheiro não saiu”, disse, acrescentando que os tapetes e cortinas precisam ser renovados.
Segundo Olivero, sem verba do governo estadual, o theatro tem se mantido com arrecadação da bilheteria, “que não é grande coisa”. “Em novembro ia ter Porgy and Bess, a ópera do [compositor americano George] Gershwin e elenco todo negro, mas foi cancelado por falta de verba”.
Em relação aos repasses, a Secretaria de Estado de Cultura foi procurada pela reportagem, mas não se manifestou até a publicação da reportagem.
Nesses dois anos de crise econômica no estado, que chegou a decretar estado de calamidade pública, profissionais do theatro enfrentaram atrasos nos pagamentos dos salários. Os artistas chegaram a fazer paralisação e suspenderam os ensaios, levando ao adiamento de espetáculos e até ao cancelamento de apresentações em 2016. No ano seguinte, os músicos, cantores e bailarinos fizeram atos artísticos para cobrar os pagamentos e arrecadar alimentos para os funcionários, foi criado o movimento SOS Theatro Municipal. O primeiro bailarino chegou a trabalhar como motorista para pagar as contas como contou a Agência Brasil.
Cartão postal
Com presença imponente na Cinelândia, no centro do Rio, o Theatro Municipal é um dos principais do Brasil e da América do Sul. O concurso para o projeto arquitetônico do espaço foi lançado em 1903 pela gestão Pereira Passos na prefeitura, na época da reforma urbana promovida por ele que abriu a Avenida Central, hoje Rio Branco. Foram recebidas sete propostas e duas empataram em primeiro lugar: o projeto Aquilla, atribuído ao engenheiro Francisco de Oliveira Passos, filho do prefeito, e o projeto Isadora, do arquiteto francês Albert Guilbert.
Após a polêmica e suspeita de favorecimento ao filho do prefeito, o projeto final fundiu os dois premiados, ambos inspirados na Ópera de Paris. A obra começou no dia 2 de janeiro de 1905 e durou quatro anos e meio, um tempo recorde para o porte do prédio, conseguido graças a peças que vieram prontas da Europa, como os entalhes em mármore.
A decoração foi feita a convite por artistas como Eliseu Visconti, Rodolfo Amoedo e os irmãos Bernardelli, além de artesãos europeus que criaram os vitrais e mosaicos.
Com capacidade para 1.739 espectadores, o Theatro Municipal foi inaugurado pelo presidente Nilo Peçanha e pelo prefeito Sousa Aguiar no dia 14 de julho de 1909. No início do século 20, o espaço recebia companhias de ópera e dança da Itália e da França e na década de 30 passou a contar com sua própria orquestra sinfônica, coro e balé.
O local já passou por quatro grandes reformas. Em 1934, foi ampliada a capacidade da sala para 2.205 lugares; em 1975, foram obras de restauração e modernização, além da criação da Central Técnica de Produção. Em 1996, iniciou-se a construção do edifício anexo com salas de ensaios. E a reforma iniciada em 2008 e concluída em 2010 restaurou e modernizou instalações. O theatro conta atualmente com 2.252 lugares.