Ator da Cia, Luna Lunera, Odilon Esteves mantém canal onde interpreta textos de autores da literatura universal
O poder da arte, sobretudo da literatura, de fomentar a criação de um imaginário e de uma vida menos comezinha e crua é algo que perpassa a vida do ator Odilon Esteves, que, desde 2017, decidiu postar vídeos com poemas, contos e excertos de autores que a ele foram apresentados ao longo da vida. “Faço isso como uma forma de agradecer as pessoas que me abriram portais de acesso à literatura. É uma forma de passar isso adiante para quem não conheço. Quando vejo nos comentários da página que as pessoas não conheciam algum autor e passaram a saber deles pelos meus vídeos, constato que parte do meu objetivo está sendo cumprido”, pontua Odilon, que também filma e edita os vídeos.
Manoel de Barros, Guimarães Rosa, Gabriel García Marquez e Clarice Lispector são alguns dos nomes escolhidos. A variedade revela o mosaico existencial que a vida pode ser: “Nossas motivações são muito variadas. São textos e autores que foram sendo colhidos por mim e pela minha alma. Em 2015, vivi um luto e Manoel de Barros e Guimarães Rosa me ajudaram a elaborar o que estava sentindo. Em outros momentos, sinto a necessidade de ser mais político e recorro a (Bertolt) Brecht. É um exercício bastante despretensioso. Tento ser honesto com minha intuição e com o que realmente gosto”, diz. “O interessante é notar que esses poemas, esses textos, voltam na minha cabeça há muito tempo. Fazem parte de um imaginário que me acompanha. Manoel de Barros me serve à vida. A literatura e a arte não estão separadas do que eu sou. O nosso imaginário precisa ser alimentado”, destaca Esteves.
Apesar de não viralizar nas redes como alguns vídeos – especialmente se comparados com os dos youtubers –, Esteves vê a internet como poderosa ferramenta e comemora as visualizações. “Qualquer coisa pode ser da internet. Só que algumas não são tão imediatas, mas vale a pena insistir. O último vídeo que publiquei – ‘A Menina de Lá’, de Guimarães Rosa – teve cerca de 200 compartilhamentos. É um vídeo de 15 minutos, uma narrativa complexa, e está entre os dez mais compartilhados desde que comecei. Eu comemoro. Não são tantas visualizações, mas a natureza do que faço é muito diferente do que ‘bomba’ na rede”, avalia.
Remédio. Por cerca de um ano, Esteves assistiu ao noticiário policial “Aqui e Agora” e tinha pesadelos todas as noites. Neles, ele sempre era a vítima. Aluno da quinta série à época, foi apresentado à série Vagalume e começou a ler um livro por semana. “Isso mudou o meu sono. Deixei de ter os pesadelos”, revela.
A relação do ator com a literatura se aprofundou graças ao teatro. Já vivendo em Belo Horizonte, assistiu a três espetáculos fundamentais para sua formação: “Primeiras Estórias”, dirigido por João das Neves; o musical “Mulheres de Holanda”, de Pedro Paulo Cava; e o infantil “Peter Pan”, dirigido por Cássio Pinheiro. “O Guimarães Rosa me fez entender o lugar de onde vim, o espetáculo era absolutamente contemporâneo para a época e continua sendo. O ‘Mulheres de Holanda’ me apresentou à obra do Chico Buarque e a capacidade dele em fazer poesia das coisas mais corriqueiras, como uma relação de amor. Já ‘Peter Pan’ – eu percebo isso hoje – me deu a noção de que alguns processos, por pior que sejam, podem dar um salto poético e reinventar nossa existência pela arte”, filosofa o ator, que se refere à morte trágica de um irmão do autor J.M. Barrie, que teria inspirado o personagem Peter Pan e sua eterna juventude.
Audiência. “Das Vantagens de Ser Bobo”, de Clarice Lispector, e “Ausência”, de Vinicius de Moraes, estão entre os mais vistos na página de Esteves.
Narrativa roseana para a cena
Odilon Esteves pretende levar “Primeiras Estórias”, livro de contos de Guimarães Rosa, para os palcos. “Eu sou de Novo Cruzeiro, no Norte de Minas; o Grande Sertão está mais localizado no Noroeste, mas nessa região do Norte, Noroeste, Sul da Bahia, existe uma cultura oral que circula muito. E eu só me dei conta do lugar de onde eu vinha, de sua cultura e de sua relação com Guimarães Rosa quando cheguei a Belo Horizonte e assisti ao ‘Primeiras Estórias’. Fiquei deslumbrado com o que o João (das Neves) trazia”, exclama o artista.
Nas suas buscas artísticas, Esteves leva os ensinamentos acumulados da passagem pela graduação em teatro, na UFMG. “Tem um assunto que gosto muito no teatro, desde que tive contato na UFMG com o professor Luiz Otávio Carvalho, que são as ações vocais. O universo do Norte de Minas me ajuda a ler os livros de Guimarães Rosa. Não se trata meramente de sotaque, mas é o que a pessoa faz enquanto fala, enquanto age. As palavras são apenas uma consequência. Somadas às minhas memórias, torna-se uma oralidade mimética, que parece fiel ao sertão”, considera o ator.
Os direitos autorais sobre as obras de Rosa, administrados hoje por suas netas, costumam ser bastante salgados. Ainda assim, Esteves planeja levar os contos do basilar “Primeiras Estórias” para os palcos em um formato cênico que privilegie a imaginação do espectador e a força da literatura roseana. Ele faz uma comparação entre as grandes orquestras, compostas por uma musicalidade mais complexa, e os concertos de câmara com poucos instrumentos e uma relação mais direta dos intérpretes com as obras. “Pretendo oferecer a narração, usar a transposição para que a coisa aconteça na imaginação de quem assiste. Fazendo um paralelo com a música, eu fico com vontade de trabalhar esses contos como se fosse um concerto de câmara. Um instrumentista, com seu piano e sua subjetividade, da maneira como ele lê aquilo”, comenta o ator.