SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - É claro que estamos todos tristes, chateados, angustiados e irritados com esse isolamento imposto pelo novo coronavírus, e não é diferente com crianças e adolescentes. Os pais devem, no entanto, estar atentos para identificar se esse tédio está além do normal e caminha para algo patológico, como depressão, ansiedade, pânico etc.

 
"Deve-se observar se houve alguma mudança extrema de comportamento, se eles estão comendo pouco ou demais, dormindo excessivamente ou quase nada, se estão apáticos ou o tempo todo assistindo a notícias e perguntando sobre o coronavírus", orienta a psicóloga Desirée Cassado, especialista em terapia comportamental pela USP que atua em prevenção à saúde mental e é integrante da instituição de ensino The School of Life Brasil, voltada ao desenvolvimento de inteligência emocional.

Ela também alerta para a possibilidade de surgirem sintomas físicos em razão da instabilidade emocional, como dor de cabeça ou problemas gastrointestinais, o que pode ser sinal de que a médio ou longo prazo virá uma depressão.Pode-se trocar ideias com a família, amigos e com a escola, e é preciso, a depender da gravidade da situação, buscar ajuda psicológica ou médica.

"Não dá para administrar sozinho um filho que esteja isolado, falando em morrer, em ir embora, se machucando, colocando em risco a própria vida ou a de outras pessoas. Ao primeiro sinal, é preciso agir."Diretor do Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescência do Hospital das Clínicas de São Paulo, Ênio Roberto de Andrade afirma que essa expectativa de que podemos ficar doentes se não houver higienização pode desenvolver ou agravar o TOC (transtorno obsessivo compulsivo). Um tique, algo comum na infância, pode evoluir para um TOC neste contexto.

"Os sinais virão com as mudanças no padrão de comportamento, como no apetite ou no sono. Claro que é esperado que [as crianças] estejam tristes, mas, se estiverem apáticas até para o que mais gostam, como jogar um videogame ou ver a série favorita, algo está errado. O normal da criança é dar trabalho, no bom sentido. Não é natural que esteja muito quieta", explica.

Ele se preocupa com o prolongamento da quarentena. "Nessas condições, é difícil a sanidade perdurar para toda a família. E quem está com crianças e adolescentes em casa terá de se esforçar ainda mais para manter a calma. Deve-se evitar um bombardeamento de informações, pois o medo inclusive reduz a imunidade."


O psiquiatra teme também um risco de automedicação na quarentena e orienta que se procure ajuda médica. "Os médicos estão atendendo por videoconferência e, se houver necessidade, pode-se marcar uma consulta presencial. É um risco menor do que tentar lidar com algo que pode ser mais sério sem orientação profissional.

"Há diversas iniciativas de atendimento psicológico online gratuito, o que pode ser uma tentativa, mas deve-se já contar com um congestionamento desses serviços.Nesse cenário, em que as maiores perdas serão sentidas pela população de baixa renda, isso também se dará na saúde mental, uma vez que o sistema público está voltado para o novo coronavírus.

O Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, por exemplo, não está realizando atendimento a novos pacientes neste período.Impõe-se como nunca a necessidade de prevenção. E é com os pais que tudo deve começar, como na orientação para despressurização em voos, em que o adulto deve colocar a máscara em si próprio antes de auxiliar as crianças.

"A saúde mental dos pais contamina a dos filhos. É preciso pensar no equilíbrio de toda a família", diz Desirée.Para a psicóloga, o primeiro passo é "pegar leve consigo mesmo". "Não é hora de perfeccionismo, mas de flexibilidade, de buscar ser bom o suficiente. Também é bom evitar pensar demais no futuro, temos que nos concentrar no agora, nas próximas duas horas, e tentar buscar algo de bom no nosso dia. Respirar, olhar a paisagem, contemplar o exato momento. Assim seremos modelos melhores para os filhos

."Preocupada com as consequências do isolamento para a saúde mental de crianças e adolescentes, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulga nesta semana uma nota de alerta para os pais.


O documento adverte que o estresse pode se tornar tóxico, o que leva a um desequilíbrio hormonal que sobrecarrega o sistema cardiovascular e prejudica o desenvolvimento das crianças, com consequências a curto, médio e longo prazos.Entre as consequências, a SBP lista a piora da imunidade, medos, transtornos do sono, ansiedade, depressão, queda no rendimento escolar e traumas que perduram até a vida adulta.

"Se a criança tem uma rede familiar que lhe dá suporte, se tem uma rotina organizada, brincadeiras no dia a dia e presença qualitativa dos pais, com espaço para abrir seu coração e falar dos seus sentimentos, o estresse se torna tolerável. Do contrário, o estresse se torna tóxico e prejudica a saúde. É preciso cultivar pensamentos positivos", diz a neuropediatra Liubiana Arantes de Araújo, presidente do Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento, da SBP.A fim de minimizar os riscos para a saúde mental de crianças e jovens, a entidade incluiu no documento 16 dicas, baseadas em pesquisas científicas.

Leia a seguir:

1. Os adultos devem realizar momentos de diálogo para discussão das atividades prioritárias do dia a dia, das necessidades básicas da casa, da divisão de tarefas e obrigações. Deve-se organizar os horários do trabalho de cada um dos pais, tentando intercalar os períodos para os demais afazeres da casa e das crianças

2. Discutir em família o papel que cada adulto possui em fornecer o suporte para que o estresse não se torne tóxico para as crianças e adolescentes

3. Ensinar como higienizar as mãos e que esse cuidado deve ser um hábito diário, mesmo após a pandemia acabar. Além disso, orientar como espirrar com proteção, como utilizar os seus utensílios, como evitar o contato físico e como se cuidar de forma lúdica, com músicas, leituras e brincadeiras

4. Conversar com os seus filhos sobre a situação atual, com linguagem simples e adequada para cada idade da criança. As orientações devem ser transmitidas de forma tranquila a fim de evitar a elevação do estresse, do medo e da ansiedade no nível de chegar a comprometer a imunidade e saúde mental dos pequenos. Explicar que as medidas são de prevenção, mas que podemos esperar bons desfechos. Dar abertura para que eles possam expressar seus sentimentos e suas dúvidas em um ambiente acolhedor e de apoio mútuo


5. Realizar o planejamento de agenda dos filhos juntamente com eles, incentivando-os a organizar horários equilibrados para manter as atividades de estudo, leitura, música, atividade física, sono e tempo de tela, respeitando os limites da rotina saudável, além dos intervalos de ócio criativo para que a própria criança faça reflexões e brincadeiras que irão ajudá-la a superar esse momento

6. Manter a dieta e a ingestão de líquidos adequada para cada idade. Os alimentos possuem papel no crescimento, na prevenção de doenças e na formação da arquitetura cerebral. O aleitamento materno exclusivo até o sexto mês e mantido até os dois anos é de grande relevância. Chamar atenção para o sobrepeso e obesidade

7. Intercalar períodos de atividades físicas dentro do lar em mais de um horário do dia nos turnos da manhã e da tarde e, se possível, fazer as atividades em conjunto, pais e filhos. Estimular a criança e o adolescente a ser criativo para realizar essas atividades em casa que podem ser de circuitos feitos com travesseiros e garrafas plásticas, pular corda, dançar, artes marciais dentre outros

8. Estimular atividades no quintal, na varanda ou próximo a locais mais arejados da casa ou apartamento

9. Usar a tecnologia a favor de todos. Definir com as crianças os horários para o uso saudável das telas, segundo as recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria, evitando ultrapassar os limites e o acesso sem supervisão a conteúdos inadequados

10. Definir horários para jogos online com os amigos e para videoconferências com os avós (visualizar os avós em boa saúde pode tranquilizar as crianças). Estimular os avós a terem conversas alegres e momentos de descontração durante os contatos à distância

11. Inserir as crianças e adolescentes nas tarefas domésticas respeitando a capacidade de acordo com a idade de cada um. Incentivar o ensino colaborativo supervisionado enquanto realizar essas atividades e aproveitar para ensinar afazeres de forma alegre e prazerosa, pois isso pode trazer grande aprendizado para a criança e adolescente

12. Conversar com as crianças e adolescentes para que eles respeitem os momentos que os adultos precisam trabalhar de forma mais concentrada. Tentar sincronizar o horário dessa necessidade com a agenda de um filme ou alguma atividade em que a criança não necessite de tanta supervisão


13. Reservar de um a dois momentos do dia para que os adultos possam se atualizar em relação às informações, sem expor as crianças a conteúdos inadequados. A maioria das informações repassadas pelas mídias são direcionadas para o público adulto e cabe aos pais limitar o acesso das crianças, repassando o que for necessário com linguagem adequada

14. Incluir na agenda pausas durante o dia para que a família possa estar unida de forma alegre e prazerosa. Tentar realizar as refeições junto com as crianças abordando temas construtivos. Praticar as técnicas de atenção plena e de relaxamento

15. Ser você o modelo de comportamento que espera de seus filhos. Portanto, os pais devem evitar excesso de tela, manter o lar harmonioso e demonstrar de forma assertiva e genuína como lidar com equilíbrio com essa situação adversa só traz benefícios na construção de um cérebro saudável na infância

16. Deixar claro para todos que o momento não é de férias e sim de uma situação emergencial transitória de reorganização do formato em que as atividades cotidianas devem ser cumpridas Galeria Escolas ao redor do mundo fecham as portas Pandemia levou países a determinarem que crianças fiquem em casa