COSTUMES
Estudo com 17 mil americanos mostra que o consumo da substância aumentou na geração que inventou a contracultura e chega à terceira idade. Brasileiros seguem a tendência
Foto: Thinkstock/Reprodução |
Eles participaram de uma revolução de costumes e experimentações. Viveram os “loucos” anos 60, lutaram contra convenções, inventaram a contracultura e viram nas drogas uma oportunidade de libertação das amarras sociais. O tempo passou e os baby boomers, geração nascida no pós-guerra, envelheceram. Muitos, porém, conservam os hábitos da juventude, incluindo o uso de maconha. O consumo da substância está mais prevalente entre pessoas acima de 65 anos, segundo estudo da Faculdade de Medicina de Nova York. Também aumentou na faixa dos 50 aos 64, diz a pesquisa, publicada na revista Drug and Alcohol Dependence.
Os dados, coletados entre 2015 e 2016, indicam que 3% dos idosos relataram o uso da maconha no ano anterior. Isso representa um salto de mais de sete vezes, comparado a uma pesquisa semelhante feita com adultos dessa faixa etária em 2006 e 2007. Já na população de 50 a 64 anos, o aumento em relação ao levantamento de uma década atrás foi de mais de 100%. De acordo com Benjamin Han, professor da Divisão de Medicina Geriátrica do NYU Langone Health e um dos autores do estudo, a continuidade no consumo da maconha é um reflexo das mudanças culturais que marcaram as pessoas que foram adolescentes ou jovens nas décadas de 1960 e 1970.
“Nós vivemos agora uma época de mudanças de atitude em relação à maconha. À medida que o estigma declina e o acesso aumenta, com o uso recreacional sendo liberado em alguns estados norte-americanos, parece que os baby boomers — muitos dos quais tiveram experiências anteriores com a maconha — a estão consumindo mais”, afirma Han. “Essa geração cresceu em um período de revoluções culturais significativas, o que inclui a popularidade da maconha nos anos 1960 e 1970”, lembra.
Os baby boomers encontram-se em risco aumentado de morrer por overdose de medicamentos opioides prescritos e por abuso de heroína nos Estados Unidos, segundo estudo da Faculdade de Saúde Pública Mailman, da Universidade de Columbia. De acordo com os autores do trabalho, publicado no American Journal of Public Health, desde 1999, a taxa de óbitos pelo excesso de derivados do ópio praticamente quadruplicou no país, levantada principalmente devido aos remédios para dor e, mais recentemente, a heroína e a fentanila.
No Brasil, não existem pesquisas epidemiológicas sobre uso de drogas ilícitas na terceira idade, mas estudos menores revelam que essa também é uma realidade por aqui. Um desses trabalhos, conduzido com 191 idosos atendidos nos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas de Ribeirão Preto, por exemplo, mostrou que, entre eles, as substâncias mais consumidas, além do álcool, eram maconha, cocaína e crack.
Regularidade
No trabalho de Nova York, foram analisadas as respostas de 17.608 pessoas com mais de 50 anos, que participaram da Pesquisa Nacional sobre Uso de Drogas e Saúde de 2015-2016. Elas foram questionadas sobre o uso de maconha, incluindo quando consumiram pela primeira vez e se haviam feito isso no ano anterior. Enquanto 54,5% daquelas com idade entre 50 a 64 anos admitiram ter fumado em algum momento da vida, esse percentual foi de 22,4% na faixa dos mais de 65. No primeiro caso, 9% disseram ter consumido maconha no ano anterior à pesquisa. O índice foi de 2,9% entre os idosos. A idade em que começaram a utilizar a droga variou: 92,9% dos participantes entre 50 e 64 anos tiveram o primeiro contato antes dos 21. Entre os com mais de 65 anos, o percentual foi de 54,7%. Os pesquisadores esclarecem, porém, que isso não significa que os entrevistados desde então vêm consumindo maconha regularmente.
A psiquiatra Helena Moura, especialista em dependência química e psicogeriatra, alerta que os resultados apontam para a necessidade de mais pesquisas sobre uso de drogas entre os baby boomers. “Não há quase nada sobre isso, e se trata de uma geração com um perfil cultural diferente da anterior”, observa. “O que é preocupante é que não sabemos os efeitos da maconha no organismo dos idosos. Por exemplo, pode ter uma consequência negativa na mobilidade, aumentando o risco de queda? Ou uma consequência sobre a concentração e a memória?”, questiona. Além disso, a médica destaca que a maioria da população acima dos 50 toma uma série de remédios que podem sofrer interferência da maconha. “É importante perder o preconceito e não deixar de perguntar ao idoso se ele faz uso de drogas”, diz.
"O que é preocupante é que não sabemos os efeitos da maconha no organismo dos idosos. Por exemplo, pode ter uma consequência negativa na mobilidade, aumentando o risco de queda?”
Helena Moura, especialista em dependência química e psicogeriatra
Opioides em excesso
Os baby boomers encontram-se em risco aumentado de morrer por overdose de medicamentos opioides prescritos e por abuso de heroína nos Estados Unidos, segundo estudo da Faculdade de Saúde Pública Mailman, da Universidade de Columbia. De acordo com os autores do trabalho, publicado no American Journal of Public Health, desde 1999, a taxa de óbitos pelo excesso de derivados do ópio praticamente quadruplicou no país, levantada principalmente devido aos remédios para dor e, mais recentemente, a heroína e a fentanila.
Usando dados do Centro Nacional de Estatísticas de Saúde, que traz arquivos sobre mortalidade por todas as causas, os pesquisadores identificaram os padrões de mortalidade por faixa etária. Segundo o estudo, desde 2010, óbitos por overdose de remédios entre pessoas perto dos 50 e dos 70 anos aumentaram mais rápido do que nos outros grupos. Ao mesmo tempo, a mortalidade associada ao uso de heroína naqueles entre os 20 e os 30 anos teve crescimento maior do que o registrado nas demais faixas etárias.
De forma geral, a quantidade de óbitos por overdose de medicamentos opiáceos foi 25% maior entre baby boomers, e os por excesso de heroína 20% maiores na geração milênio (nascidos a partir dos anos 1980), quando comparada a daqueles nascidos entre 1977 e 1978. “Com o aumento da mortalidade por overdose continuando a subir, intervenções efetivas, como o fortalecimento de programas de monitoramento de prescrições são necessárias urgentemente”, escreveram os autores do artigo. “Especificamente, nossas descobertas apontam para a necessidade de programas preventivos e políticas sob medida que se voltem às causas subjacentes do excesso de risco associado às gerações baby boomer e milênio.”
De forma geral, a quantidade de óbitos por overdose de medicamentos opiáceos foi 25% maior entre baby boomers, e os por excesso de heroína 20% maiores na geração milênio (nascidos a partir dos anos 1980), quando comparada a daqueles nascidos entre 1977 e 1978. “Com o aumento da mortalidade por overdose continuando a subir, intervenções efetivas, como o fortalecimento de programas de monitoramento de prescrições são necessárias urgentemente”, escreveram os autores do artigo. “Especificamente, nossas descobertas apontam para a necessidade de programas preventivos e políticas sob medida que se voltem às causas subjacentes do excesso de risco associado às gerações baby boomer e milênio.”