O professor e psicólogo clínico Fábio Alves dos Reis é especialista em análise do comportamento
A tendência, segundo o especialista, é que a dependência digital seja reconhecida como um problema de saúde mental, uma vez que a abstinência de internet provoca sintomas similares aos da privação de drogas, como ansiedade e irritação.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu neste ano a obsessão por videogames como um dos problemas de saúde mental que constam na 11ª Classificação Internacional de Doenças (CID). O senhor acredita que a tendência seja que a dependência digital também receba essa classificação?
Eu acredito que sim. As pesquisas na área têm dado suporte para que isso ocorra. O “Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais” (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, ou DSM, na sigla em inglês), inclusive, deverá seguir essa tendência e incluir a dependência digital no apêndice de sua próxima edição, indicando a necessidade de outros estudos. O documento, cuja primeira edição foi lançada em 1994, é conhecido como a “bíblia da psiquiatria” e é usado por médicos do mundo todo, inclusive do Brasil.
Classificações como essa ajudam a legitimar o problema e reforçar as estratégias de tratamento?
Quando há um reconhecimento oficial, são estabelecidos critérios para identificar o problema e indicados os meios de tratamento cientificamente testados. Sem esses parâmetros, cada profissional acaba usando seus próprios critérios, e há o risco de se usar técnicas que não apresentam resultados comprovados cientificamente.
Quem sofre de dependência digital tem nomofobia (do original “no mobile fobia”), uma patologia com consequências psíquicas, sociais e físicas. Esse transtorno já é tratado como doença no Brasil?
No Brasil, isso é visto com muita seriedade, e já existem locais que oferecem tratamento específico para esse tipo de dependência. O Hospital das Clínicas de São Paulo, por exemplo, oferece o Programa de Dependência de Internet, que inclui terapia individual e em grupo. A PUC-SP, a Universidade Federal de São Paulo (UFSP) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) também possuem grupos de pesquisa sobre o tema e oferecem tratamento para a população.
A tecnologia que ajuda a melhorar a vida de milhares de pessoas pode ser também motivo de problemas de saúde e de relacionamento. Quais são os sintomas que o excesso de tecnologia pode causar em crianças, adolescentes e adultos?
O isolamento social é um dos efeitos mais marcantes do uso excessivo de aparelhos tecnológicos, já que muitas pessoas acabam passando a maior parte do tempo conectadas a um celular ou no computador, isoladas da família, de amigos, dos colegas de escola ou do trabalho. Independentemente da idade, o tempo gasto com aparelhos tecnológicos pode prejudicar o rendimento na escola ou no trabalho. Além disso, estudos recentes realizados no exterior mostraram que os participantes considerados viciados apresentavam mais depressão, insônia, ansiedade e impulsividade. Uma série de sintomas físicos também pode ser relacionada ao uso excessivo de aparelhos tecnológicos, incluindo prejuízos quanto a visão, sono, postura, disposição e concentração. Outra coisa que se observa é um aumento considerável no relato de dores e inflamações (de cabeça, pescoço, ombro, pulso e polegar).
O Brasil é o país que mais usa redes sociais na América Latina, e é o terceiro país do mundo com mais compartilhamentos. Por que você acredita que nós criamos essa relação?
Uma hipótese para isso seria a grande necessidade de socialização dos povos latinos. O Brasil possui uma cultura que incentiva e promove muitas formas de socialização, e as redes sociais acabam cumprindo esse papel social. No país, cerca de 30% dos brasileiros têm uma relação abusiva com a internet, e 5% são considerados dependentes digitais. Em alguns países, essa dependência é tratada como caso de saúde pública e considerada um transtorno psiquiátrico (distúrbio da dependência em internet ou internet addiction disorder).
No seu consultório, o senhor percebe o aumento de queixas em relação a essa dependência? Isso vem acontecendo desde quando? Qual o porcentual aproximado de aumento?
Sim. Nos últimos dois anos, eu atendi cerca de 20% a mais de casos relacionados à dependência digital. O que se percebe é um aumento significativo de pacientes que relatam preocupação e sofrimento ao ficar sem internet e não poder acompanhar integralmente a vida no mundo virtual. Esse sentimento ganhou o nome de “fomo”, sigla em inglês que significa “fear of missing out”, e seria correspondente a “medo de estar perdendo algo”. Algumas pessoas sentem grande mal-estar ou ansiedade quando não estão com o celular ou quando não podem usá-lo no momento para checar suas mídias sociais.
Por que a dependência digital tem preocupado cada vez mais os psicólogos e os psiquiatras?
As pesquisas mostram que o ambiente virtual é capaz de estimular as áreas de recompensa (satisfação) no cérebro de forma semelhante ao álcool e a outras drogas. A abstinência de internet provoca sintomas iguais aos da privação de drogas: ansiedade, irritação, desatenção, tremores, sudorese intensa, taquicardia e dores de cabeça.
Na dúvida sobre a gravidade da situação em relação à dependência digital, quando procurar ajuda profissional?
O que define a dependência digital é a perda de controle quanto ao uso da tecnologia, e os problemas decorrentes desse tempo excessivo. Então, se você não consegue controlar o tempo que passa conectado, se você tem passado bastante tempo conectado para se esquivar de algo e se isso tem causado muitos problemas em sua vida, talvez seja hora de procurar ajuda de um profissional.
O tratamento para a dependência digital inclui terapia, medicação e objetiva estabelecer um equilíbrio entre a vida real e a vida online.
Em relação às crianças, muito se fala em um limite de horas de uso. Mas, em relação aos adultos, quais são suas orientações?
Independentemente da idade, é preciso haver um controle do tempo de conexão. A orientação, de forma geral, é promover uma reeducação quanto ao uso de aparelhos digitais, de forma que o tempo seja distribuído de forma equilibrada para todas as áreas da vida (trabalho, lazer, estudo, descanso, relacionamentos etc.).
Pesquisas mostram que, com a explosão dos smart-phones, cerca de 10% dos brasileiros já são viciados digitais. Como fazer um detox digital?
A proposta de um detox digital é se desconectar totalmente do mundo virtual e se isolar completamente de aparelhos tecnológicos durante um período. Na terapia comportamental, não se propõe um “detox”; o que se faz é ajudar o paciente a se desconectar (em certa medida, não totalmente) para se reconectar socialmente e realizar outras atividades.
Quais as dicas o senhor daria para a adoção do uso saudável das tecnologias?
Eu acredito que o uso saudável das tecnologias está ligado ao equilíbrio. A ideia é que as pessoas sejam capazes de dedicar tempo de qualidade para cada área da vida, seja ela virtual ou não.