A humanidade tem se encontrado com pandemias ao longo de sua história. Pestes de todas as colorações, gripes espanholas que nem nasceram na Espanha e agora, a covid-19. O famoso e difundido, o mortal coronavírus.

Em meio ao silêncio das ruas e das multidões em isolamento, em meio à quietude do coletivo, cala-se o comércio, fecham-se as escolas, cessam-se os abraços, paralisam-se as festas e os esportes. Torcer agora é torcer pela vida. Torcer pelos profissionais de saúde. Rezar pelos mais fracos e vulneráveis. O destino deu mais uma volta.

Enquanto vidas são ceifadas, numa jornada de intenso sofrimento e dor, a natureza parece recobrar suas forças, as mesmas forças que a humanidade lhe tirou pela poluição, aquecimento, lixo e sujeira. Para César o que é de César...

Os frutos da irresponsabilidade dos governantes e poderosos, o veneno de uma sociedade que desenvolveu desigualdades e concentrou renda e multiplicou misérias, a economia onde o dinheiro gira em busca de mais um porto de juros altos, vem sendo colocado a prova.

Nossa relação absurda com o próximo e com as coisas vivas vai sendo revelada, toda cegueira vai sendo substituída por um novo olhar. A verdade, antes escondida em falsas aparências, vai sendo servida em doses aceleradas de nudez dos fatos, enquanto o medo nos assola.

Tudo produzido por um vírus do tamanho de um milésimo da espessura de um fio de cabelo. Serão estes estertores nosso castigo? Porque sofrem os mais idosos e os mais pobres e vulneráveis? Porque temos lidado tão mal com a vida na Terra? Como falar em isolamento com famílias que se amontoam em habitações inadequadas? Questões urgentes que precisam ser respondidas, enquanto corremos para manter mais um ser humano vivo em algum lugar do mundo.

Penso no amanhã. Conseguiremos mudar nossa relação com o planeta e assim mudarmos a nós mesmos? Conseguiremos aprender com os exemplos vivenciados e buscarmos uma sociedade mais cooperativa e solidária, onde o fetiche da mercadoria seja desvendado? Será que conseguiremos sair da caverna e desvendar seus mitos, enxergarmos a verdade e não as sombras? Aprendermos com a luz e não nos voltarmos para as trevas?

As mudanças virão, queiramos ou não. Percorrerei aqui três eixos onde nossas vidas serão profundamente afetadas. O espaço da casa, o espaço do ensino e o espaço do comércio. Não pretendo esgotar com minhas observações toda a grandeza e enormidade dos câmbios que estão acontecendo em todas as nossas vidas, trata-se de uma escolha pessoal e muito mais haveria do que falar.

Iniciemos pela Casa. O espaço da casa se multiplica em suas funções. Seja pequeno ou grande o lar será outro. Ele não mais será o recanto da volta do trabalho, do encontro familiar ampliado ou do repouso que nos energiza. A casa virou escritório, espaço do trabalho, em meio à multiplicação da filosofia “home-office” com todas as suas determinações e necessidades tecnológicas. Cada um de nós é agora uma empresa. E precisa de computador, rede, impressora, câmera e toda uma profusão de implementos. Porque trabalhar é preciso. Cada um de nós é uma empresa.

Vejam que interessante a origem da palavra empresa, segundo o site etimologia.com.br

”Está registrada no italiano impresa como o verbo imprendere, e sobre a qual é possível uma desconstrução que identifica o prefixo do latim in-, que indica algo interior, com raiz indo-europeia em en-, interpretada como "en"; em seguida se observa o verbo prehendere, que se refere à ideia de pegar ou agarrar alguma coisa (observa-se a palavra prender localizada no latim vulgar como prendĕre) e a partir da qual se revela o prefixo pre- na forma do latim prae-, que indica algo prévio, e hendere, repetindo sobre a ação de pegar, com raiz no indo-europeu ghed-, explicitamente como agarrar. Consequentemente, a partir de sua origem semântica, entendemos que empresa significa apegar-se a algo com o propósito de desenvolvê-lo”.

Vamos todos agarrar-nos a nossas vidas, constituir novo apegos (pre-endere), dentro de casa (in) para desenvolver algo novo e necessário. Para sobrevivermos e apegarmos ainda mais à vida, nosso bem maior.

Grande parte da produção de riquezas será feita em casa, enquanto novas formas de distribuição de bens e serviços serão testadas, cada vez mais robotizadas e isentas dos seres humanos. Com muita inteligência artificial (IA) e robótica embarcada. Um mundo de ecossistemas de negócios e plataformas digitais. Novas orações em novas catedrais.

Em nossas casas nós estudaremos, trabalharemos, comeremos e se possível nos amaremos, vivendo uma nova etapa da vida. Para tanto, nós precisaremos alterar nossos espaços, alterar nossos móveis, buscar novas facilidades e desenvolver uma enorme capacidade de poupança e de redução do consumo (adotar um consumo mais consciente).

Será preciso contratar internet de alta velocidade, aprender a nos comunicar nas telas dos computadores de alta resolução, num mundo cada vez mais segregado e para poucos. Num mundo de transporte de informações e dados e menos movimentação de pessoas e de coisas.

O estar em casa irá requerer roupas e calçados confortáveis. Requer um reposicionamento do formal e do informal. Requer encontrar as janelas certas para ver o mundo e tomar sol.

Tomemos agora, como exemplo, a Educação em Casa. Todos nós estamos vivenciando neste momento de isolamento social extremo, enquanto não houver uma vacina eficaz, a impossibilidade de irmos às escolas. As crianças estão sendo obrigadas a ficarem em casa, até que protocolos de relaxamento sejam testados. Agora é a escola que vem até nós.

Não podendo nos aglomerar como antes, nossas casas serão o espaço do ensino,  enquanto nos isolamos em pequenos grupos familiares. Adultos e crianças precisarão reaprender a aprender; pais terão que complementar as tarefas de professores. Terão condições? E os centros de ensino reaprenderão a ensinar. Mas, tudo isto requer melhorias na renda das famílias, que lhes permitam acesso a equipamentos e métodos inovadores.

A internet terá que ser oferecida para todos e todas, como um bem público. De outra maneira haverá mais exclusão social do que antes. O Estado terá que redefinir seu papel em muitas situações. Queriam os anarquistas liberais ou não.

As escolas mudarão suas práticas migrando rapidamente para o ensino à distância baseando-se em métodos pedagógicos inovadores, salas de aula invertidas, que ganharão espaço na vida do aprendiz. Os professores serão modificados, terão que aprender a produzir vídeos e participar das “lives”. E quando houver momentos presenciais serão em salas de aula com muitos poucos alunos, mantidos os cuidados de higiene, limpeza e afastamento. Haja água, sabão e álcool gel!

Falemos agora do terceiro eixo, o espaço do comércio. Este será dominado pelo mundo “on line”, um mundo de lojas virtuais, de grandes e poucas plataformas de negócios, de fidelização de consumidores, entregas rápidas e apegos afetivos dominados pelo marketing digital. As lojas terão grandes estruturas que produzirão suas vendas e entregas. Algumas precisarão dispensar estruturas físicas, cortando custos para sobreviver.

 Nossas vidas serão devassadas. Seremos monitorados intensamente e a privacidade estará ameaçada. Nossos perfis tendem a ser disputados por agentes de trocas. Muitos absurdos podem vir a ser defendidos em nome da segurança, em nome da manutenção dos distanciamentos e do controle do crescimento da pandemia. Sistemas de reconhecimento facial se juntarão ao big data, que analisará continuamente nosso comportamento. O que restará da democracia e das liberdades individuais?

Estamos isolados, estamos sozinhos, estamos carentes e os negócios saberão explorar este lado de nossos sentimentos e desejos. A loja física não desaparecerá, mas o empreendedor terá que se acostumar com menos consumidores, limitação de público, funcionários higienizados e mascarados, tudo demonstrando limpeza, pois é isto que o “novo consumidor” espera. Todos querem se sentir seguros no mundo das trocas. Este será o “Novo Normal”.

Concluo que não foi a primeira e nem será a última pandemia da história da humanidade. Como toda pandemia que nos abate, trará mudanças em nossas vidas e abaterá muitas vidas. O mais importante é sabermos aproveitar todos os avanços tecnológicos que conseguimos atingir e mudar o homem, melhorar a sociedade. Mudar cada um de nós, nosso ser interior e mudar nossas relações com a Mãe Natureza e com os demais seres humanos. Ficar atentos às tentativas de se apropriarem de nossas liberdades enquanto somos colocados em isolamento. Lembrarmos sempre de olharmos para a realidade e não ter medo da verdade. Precisamos estar menos aglomerados, mas não temos que ampliar nossa alienação. Precisamos de estruturas governamentais capazes de reduzir desigualdades e ampliar oportunidades. Porque um mundo novo e melhor precisa ser construído para todas as pessoas.