Paulo Roberto Bretas /Economista.

 

O Brasil atual vive sobre influência de um fenômeno crescente e preocupante: a construção de realidades paralelas. Cada qual monta seu mundo falso. Uma “verdade” para chamar de sua. Desenvolve um currículo do jeito que quer, conta sua história do jeito que lhe deixa mais feliz. Cada um assume uma vida construída no imaginário e divulgada como a verdade em que se quer acreditar. Cada um não é mais o que é, mas sim a propaganda intensiva do que quer ser. Enganar é preciso. Muitos querem viver fantasias, já.

Conto uma mentira e repito “ad infinito”. Uso técnicas de aceleração nas redes sociais. Chego a centenas, milhares, milhões de pessoas. Convenço e venço. Crio-me e recrio-me. Alisto seguidores. Angario a simpatia dos que querem acreditar no meu mundo construído. Formo os bolsões de discussões viciosas e de crenças irracionais compartilhadas. Passo a acreditar naquilo que eu mesmo inventei.

As pessoas movidas por um sentimento de querer vivenciar uma nova realidade, a partir de um sonho, preferem acreditar naquilo que querem acreditar, ou até mesmo naquilo que seja mais fácil de acreditar. Muitos se cansaram de se acharem um nada. Muitos querem ter mesmo sem nada ser. Trata-se de uma formação social psicopata, produtora de personas que criam suas realidades virtuais e as divulgam nas redes sociais. Fazem a publicidade daquilo que querem e não do que são. Falsas imagens, fotos manipuladas, discursos roubados, teses copiadas.

Parte dos cientistas sociais já chamaram esses tempos de era da pós-verdade. Tempos onde as pessoas cheias de decepções, preferem criar suas bolhas de apoio recíproco formando grupos que se confortam e se reforçam. Pessoas que não permitem a divergência e se especializam em ameaçar e expulsar o outro, sempre que este outro não for do grupo em questão. Pessoas que nunca se viram e possivelmente nunca se verão. Porque o encontro com a realidade choca. A verdade assusta, expõem as limitações, as marcas, as cicatrizes, a cor, a falta de maquiagem. A verdade dói, ainda que possa libertar. Tudo é falso, mas é tão bom ser enganado. O novo ópio eletrônico que vicia e engorda o imaginário.

Nesses tempos de mentiras planejadas e de criação de falsas verdades o vale tudo vai envolvendo as pessoas, que já não sabem mais distinguir o certo do duvidoso. Até porque dói menos acreditar na mentira e ter fé nas verdades parciais, que elevam a autoestima e animam o ego. As pessoas perderam a vontade de aceitar o real e o concreto da vida. A ciência que se dane!

Numa sociedade que vai se esfacelando em pequenos grupos tribais digitais, impulsionados pela criação de aldeias virtuais de “amigos” em rede vão sendo criados ritos, textos místicos e crenças muito próximas de novas religiões.

Robôs controlam o planeta Terra e espalham as “boas novas”. Falsos profetas definem os novos mandamentos: odiai uns aos outros, assim como eu odeio aquele se difere de mim. Há quem queira ser enganado em troca do afeto, do pertencimento e por gostar de maneira doentia do brotamento do ódio ao diferente. Em meio a tanta confusão vejo pretos racistas e já ouvi judeus defendendo teorias nazistas. Vi pobres entregando tudo o que tinham para igrejas e vi políticos eleitos atacarem a democracia. Vi os feios se tornarem lindos e idiotas pousarem de intelectuais.

Com intensidade a sociedade vai se esfacelando entre o eu e eles. O nosso time e o de vocês. Algumas vidas são colocadas em patamares mais elevados do que outras. Ganha os corações e as mentes dos controlados quem contar a melhor história.

Enganasse quem achar que tudo isso terá uma solução fácil e pacífica. Engana-se quem acredita que tudo isso vai passar rápido. Na guerra cibernética das tribos que convivem com suas falsas verdades, quase religiosas, sobra espaço para seguir excluindo os diferentes e adotar crenças nas falsas aparências, produzidas coletivamente. O espaço segue aberto para falsos doutores e líderes enganadores.

Receio que em meio a tantas inverdades e mundos virtuais cheguemos ao ponto de eleger uma persona inexistente, um candidato imaginário, com um discurso convincente, uma criação virtual diabolicamente maravilhosa, difundida em redes sociais; e o país será comandado por uma tribo bem articulada, que se esconderá atrás desta criação imaginária, que nunca veremos a não ser em imagens produzidas digitalmente. E seremos todos submetidos ao controle de alguns poucos espertos que ampliarão sua riqueza e o poder. E irão nos convencer que haverá grandes mudanças, para que tudo fique do mesmo jeito que antes.