A economia brasileira  saiu-se  relativamente bem durante a crise da covid se comparada a outros países da América Latina. Contudo, trata-se de uma economia desigiual que já vem se desenvolvendo em crise desde o terceiro trimestre de 2014. Sendo uma economia cujo crescimento do PIB depende enormemente do consumo das famílias e dos gastos públicos, com a volta do aperto fiscal e após o fim dos auxílios emergenciais, com um mercado de trabalho ainda fraco, já se pode imaginar uma tendência de baixo crescimento econômico para 2021.

Vivemos também no país um choque inflacionário de curto prazo, devido ao aumento das exportações das commodities de alimentos, de sua dolarização de preços e da ausência de estoques reguladores. Houve dinheiro na mão das famílias para a compra de alimentos e todos esses fatores juntos ainda pressionam a inflação.

O preço das matérias-primas com influência sobre a inflação teve alta de 0,54% em setembro, após variação positiva de 9,39% em agosto, de acordo com o Índice de Commodities Brasil (IC-Br). No ano, houve aumento de 22,94%. Em 12 meses, por sua vez, foi registrado crescimento de 32,68%, segundo o Banco Central (BC). O IC-Br é construído com base nos preços das commodities agrícolas, metálicas e energéticas convertidos para reais. Segundo dados do BC publicados no jornal Valor, o grupo de commodities agropecuárias (carne de boi, carne de porco, algodão, óleo de soja, trigo, açúcar, milho, arroz, café, suco de laranja e cacau) mostrou expansão de 1,95% em setembro. No ano, crescimento foi de 24,23%. Em 12 meses, a elevação correspondeu a 40,44%.

Mas o Brasil vem enfrentando outros problemas bastante graves, neste ano de 2020, a fuga dos ativos de risco poderá atingir US$ 24 bilhões (R$ 134 bilhões), mais que o dobro do registrado no ano passado. Somando diferentes tipos de entradas e saídas, o país terá um fluxo positivo de dinheiro estrangeiro em 2020 de apenas US$ 11 bilhões, bem abaixo dos US$ 59 bilhões de 2019, segundo o IIF (Institute of International Finance).

Querer manter um auxílio para os mais vulneráveis, ampliando o programa Bolsa Família poderá representar aumento de despesas que contrariam a lógica do teto de gastos e abalam a confiança dos agentes econômicos.

As indefinições, impasses e falas desencontradas do governo e de sua base de apoio no Congresso Nacional tratando das propostas para um programa de renda básica, substituto do Bolsa Família, trás volatilidade aos mercados, levantando dúvidas sobre quais serão suas fontes de financiamento de déficits e da dívida pública e acerca da sobrevivência do teto de gastos.

Apesar da Selic se apresentar em suas mínimas históricas, a curva de juros tem se mostrado com um nível das taxas de longo prazo bem acima dos juros de curto prazo. A diferença entre os juros de um ano e os de cinco anos, que chegou a ser inferior a dois pontos percentuais antes da pandemia, agora já está acima de quatro pontos. Enquanto as taxas de curto prazo costumam ser guiadas pelas perspectivas para a política monetária, as de longo prazo são mais sensíveis às questões mais abrangentes, como a situação fiscal. Demonstram falta de confiança e incertezas.

A maioria das variáveis do mercado financeiro brasileiro, como os índices da bolsa de valores, medidas de risco-país e spreads de juros apontam para uma piora no curto e médio prazo. Então, a curva de juros vem sendo afetada pela situação de incerteza sobre a trajetória das contas públicas. A dívida pública começa a assustar e a capacidade do governo sustentar o endividamento vai se derretendo.

Completando o quadro de expectativas negativas o câmbio segue muito volátil e muito desvalorizado, tira a previsibilidade das empresas que exportam e importam, além de encarecer as compras externas de bens de capital. Também o mercado de ações está em baixa afetando a capacidade das empresas de investir e de levantar recursos.

A rapidez necessária à aprovação das reformas administrativa e fiscal parece estar longe de acontecer. Aprovar rapidamente as reformas de médio prazo permitiria ao governo passar uma credibilidade maior em manter uma trajetória mais sustentável da dívida pública.

Encontro alguns sinais positivos como o aumento da poupança líquida das famílias, que podem se converter em consumo. Também é destaque a melhoria na indústria da construção civil e na venda de imóveis novos e usados. Contudo não há muito que esperar de 2021, pois um aperto necessário para retomar as condições financeiras, como reflexo do aumento do risco fiscal e da desconfiança na deterioração do teto de gastos terá efeito contracionista, especialmente no início do ano. Paulo Guedes já não convence mais ninguém, nem mesmo a si próprio. Possíveis mudanças na equipe econômica são uma questão de tempo. A perda de credibilidade fiscal é como uma fratura exposta num governo que mais se parece uma burocracia liberal lenta e oscilante.

Surpresa mesmo é a mudança de postura política do presidente Jair Messias Bolsonaro, que já reclama até mesmo das manifestações de direita contra suas atitudes e já fala que boas pessoas ligadas ao PT participaram de governos passados. É bom avaliar o que está por trás de tudo isto.

 

Paulo Bretas : *Conselheiro do Corecon-MG e Professor de História Econômica