Não dá para esquecer

Ações indenizatórias decorrentes de violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar (1964-1985), como perseguições políticas, torturas e desaparecimentos forçados, são imprescritíveis, por se tratarem de graves violações aos direitos fundamentais, equiparadas a crimes contra a humanidade, insuscetíveis de limitação temporal à pretensão reparatória. Com esse fundamento, a 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina condenou o estado, por unanimidade, a indenizar um anistiado político de 97 anos.

O autor foi preso arbitrariamente na década de 1960, torturado em instalações estaduais e federais, mantido incomunicável e submetido a violências físicas e psicológicas. Ele também sofreu com a perda do emprego, a invasão da sua casa e com ameaças à sua família. Por tudo isso, enfrentou dificuldades para reconstruir sua vida pessoal e profissional.

 A vítima trabalhava no Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS), em Criciúma, no sul do estado. A luta em defesa de melhores condições de trabalho levou à sua filiação ao Sindicato dos Mineiros e à atividade política, o que atraiu a repressão. O período da perseguição durou quatro anos e sete meses, com seis meses de reclusão.

Coisa julgada

O estado argumentou que a demanda estava prescrita, alegou que os atos foram cometidos por agentes federais e afirmou não haver prova de abalo moral indenizável. O juízo de primeiro grau extinguiu o processo por entender que havia coisa julgada, diante do ajuizamento de ação idêntica contra a União, com indenização por danos morais pelos mesmos fatos.

Na apelação, a defesa do autor sustentou inexistir coisa julgada porque a ação contra o estado e a ação contra a União tratam de partes e responsabilidades distintas. E observou ainda que a indenização administrativa prevista em lei estadual não afasta a possibilidade de reparação judicial e pleiteou um valor de reparação de R$ 50 mil a R$ 100 mil.

Ao analisar o caso, a relatora, desembargadora Denise de Souza Luiz Francoski, afastou a extinção por coisa julgada e reconheceu a possibilidade de cumular indenizações pagas por entes federativos distintos. Ela foi incisiva sobre a prescrição e reconheceu a responsabilidade civil objetiva do estado, com base no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, por atos praticados por seus agentes.

A magistrada destacou ainda que a documentação dos autos revela, de forma robusta e inequívoca, a perseguição política e os atos arbitrários e degradantes a que o autor foi submetido durante a ditadura. “As provas evidenciam a violação de sua dignidade, submetendo-o a condições de extrema desumanidade, marcadas por tratamento cruel, degradante e incompatível com os direitos fundamentais assegurados pela Constituição e pelos tratados internacionais de direitos humanos.”

Limite do tolerável

Segundo a desembargadora, o dano moral decorre inevitavelmente da gravidade e da natureza desses atos, dispensando demonstração adicional, uma vez que os sofrimentos impostos ultrapassam o limite tolerável e atingem profundamente a esfera íntima e existencial da vítima.

A indenização foi fixada em R$ 100 mil, com correção monetária desde o arbitramento e juros de mora desde o evento danoso, conforme súmulas do Superior Tribunal de Justiça e regras aplicáveis à Fazenda Pública. 

Fonte: TJ-SC.