Passados quase dois anos de enfrentamento do vírus da Covid-19 e de suas mutações, bem como das consequências da pandemia – que ainda não acabou, é bom lembrar – fico pensando nos rumos que as amizades entre as pessoas tomaram e continuaram tomando. As mudanças não param. Penso em duas músicas de Milton Nascimento. Nada Será Como Antes é a primeira. A segunda é Canção da América, na qual Milton canta que

“amigo é coisa para se guardar debaixo de 7 chaves, dentro do coração”.


Como estou cheio de perguntas, penso: será que é isso mesmo? Ou cada caso é um caso, em seu devido tempo?

Constato que muitas pessoas amigas de vários quinquênios e outras de alguns anuênios estão bem mais sumidas. De algumas até penso se não estão escondidas por questão de segurança, de cabeça cheia de preocupações generalizadas que se acumulam e consomem mais tempo em sua já intrínseca escassez. Com certeza, falta gestão. Mas, e se nos lembrarmos das principais características de nossas amizades antes da pandemia? Será que elas estavam sendo bem cultivadas e polidas? Havia tempo dedicado a elas apesar de toda a correria estressante de cada dia, semana ou mês? Antes da pandemia, qual era o real valor da amizade pra nós, mesmo que várias tenham se acabado após o prazo de validade?

Trazendo isso para hoje, tomando todas as precauções para conter a disseminação do vírus, é importante avaliar o nosso querer, os motivos que temos para continuar mantendo – e bem – as nossas amizades, com todos os conteúdos que podem ser abordados nessas relações. Depois que aconteceu o acontecido, que veio trazendo tantas consequências ameaçadoras para todos, do eu ao nós, será mais fácil gastar a energia que ainda temos na solidão? Quem sabe será possível caminhar para a solitude, sozinhos, mas nos sentindo bem, com energia suficiente para gastar um pouquinho do tempo para ser dedicado às amizades, mesmo que mais no modo remoto e ainda quase nada presencial? Será que é tudo isso mesmo ou dá para flexibilizar mais ? Qual o nível de medo de uma contaminação pelo vírus após a imunização que nunca será absoluta?

Diante de tudo que vai rolando e respeitando o momento que minhas amizades estão atravessando, tenho tentado encontrar as pessoas para conversar em viva voz, pelo telefone celular e rarissimamente no fixo, que quase ninguém tem mais.

Mesmo tendo a iniciativa de procurar as pessoas amigas sem cobrar reciprocidade, muitas são as dificuldades encontradas e que se acentuaram nessa pandemia. Uma delas é o fuso horário. Qual seria a hora adequada para fazer um contato usando o dispositivo tecnológico? Será que as pessoas estão dispostas a conversar e com qual profundidade, duração, capacidade de ouvir e falar? Pode ser que a fase esteja levando as pessoas a uma revisão de muitos valores, questionamentos de crenças jamais imaginadas.

O desafio permanece, mas espero que as amizades sobreviventes continuem ajudando mutuamente a quem nelas acredita e cultiva.