“A vida é arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”, diz o poeta e compositor Vinicius de Moraes em sua música “Samba da bênção”. Digo isso a propósito do encontro casual que tive no último dia de janeiro com um antigo colega de trabalho – com quem tive um bom convívio à época – que não via há muito tempo. Tudo aconteceu na sala de espera do consultório médico de um ortopedista. O médico estava atrasado para iniciar seus trabalhos naquela manhã devido a uma cirurgia de emergência no hospital em que atua, conforme informou sua secretária após questionamentos de alguns esperançosos pacientes.
O ex colega se aproximou logo após a minha chegada, lembrando que já fazia 20 anos que não nos encontrávamos pessoalmente. Disse também que o atraso do médico seria compensado por nos possibilitar uma conversa sobre os rumos de nossas vidas após o período em que trabalhamos juntos. Depois de nos cumprimentarmos irradiando uma boa energia fiz a clássica pergunta que surge naturalmente nesse tipo de encontro: “o que você está fazendo da vida?”. Foi a senha para que o colega narrasse epicamente os momentos vividos até a decisão de se aposentar aos 63 anos de idade, após 40 anos de contribuição previdenciária, e, em seguida, focar nos 3 anos vividos na sequência.
O colega disse que adiou ao máximo a aposentadoria por não ter um projeto minimamente elaborado para quando ela viesse e que só resolveu encará-la quando percebeu que a Reforma da Previdência acabaria acontecendo. Por isso, decidiu garantir logo o seu direito adquirido no INSS e também no plano de previdência suplementar do qual participava na empresa em que trabalhava. Prosseguiu falando sobre sua adaptação inicial à condição de “aposentado que não queria ir para os aposentos” e buscava encontrar um padrão para a nova rotina do dia-a-dia. Em sua cabeça vinha a lembrança do trabalho de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 13h30 às 17h30, o almoço sempre nas proximidades da empresa e os vários chefes que teve, a maioria absoluta longe de fazer uma gestão pela liderança. A prevalência sempre foi de comandantes fracos tentando tomar conta das pessoas e “se achando”.
Lembrou também que depois de seis meses conseguiu se integrar mais à vida diária de sua casa – com horários combinados para café da manhã, almoço, cafezinho no meio da tarde e lanche da noite. Nesse caso afirmou enfatizando sinceridade que teve algumas trombadas com a esposa, também aposentada, que dedica as tardes de segunda, quarta e sexta a um trabalho voluntário no bairro em que moram.
Ainda embalado na fala o colega disse que tem pensado numa volta ao mercado de trabalho para atuar em projetos que lhe exijam baixa carga horária mensal. Argumentou que precisa se atualizar um pouco mais e que seu nome corporativo já não existe no mercado após passar esse tempo parado. Afirmou que sente um certo vazio mesmo tendo diversas atividades ao longo do dia tais como exercícios físicos, acesso amplo à internet, participação ativa em alguns grupos de WhatsApp bastante movimentados, leitura de algum livro que está na moda, presença frequente nos eventos de sua religião, pequenas interações sociais com a família e pouquíssimos amigos. Disse também que um dinheiro extra poderia amenizar um pouco a inflação do idoso, que é sempre bem maior que o reajuste de seus proventos, e que está ciente das dificuldades que terá devido à fraca recuperação da economia brasileira.
Inesperadamente o antigo colega foi chamado pelo ortopedista para o início de sua consulta enquanto fui informado pela secretária de que eu seria atendido logo em seguida. Apesar da pressa do médico foi possível anotar o número dos telefones e registrar a intenção de envidar esforços para que aconteça um novo encontro num futuro próximo. Quando a consulta começou fiquei pensando sobre o que e como fazer para que a inércia não impeça que a intenção se transforme em gesto. Será? Dependerá muito de nós e de nosso querer, mas quem terá a iniciativa de propor uma data para esse encontro?