Sabe daquela situação que geralmente imaginamos que só acontece com os outros, em que um membro da família sofre um acidente vascular cerebral do tipo hemorrágico? Foi o que aconteceu no dia 2 de janeiro com o senhor Paulito, de 83 anos, aposentado, casado com a senhora Iarinha, de 78 anos, com quem teve 8 filhos. Muitos também são os genros, noras, netos e bisnetos. O fato é que Paulito sentiu-se mal na tarde daquele dia, quando jogava buraco, como fazia todos os dias, com um grupo de amigos e colegas numa espécie de cassino informal de seu bairro numa cidade da região metropolitana de Belo Horizonte. Paulito foi levado para uma unidade de pronto atendimento e posteriormente transferido para um hospital público de grande porte. A hemorragia inundou uma vasta área de seu cérebro e, após 12 dias de internação, seu nome foi estampado num atestado de óbito, clássico documento que registra o fim do curso de vida.

 

Alguns fatos e dados marcaram os dias da angustiante espera da família por um desfecho favorável, mesmo diante de prognósticos sombrios. Um fato marcante foi a reação das pessoas do convívio de Paulito ao tomarem conhecimento sobre o que aconteceu com ele, sendo que algumas delas também tentavam encontrar uma explicação para o acontecido. “Como assim foi acontecer isso se ele estava tão bem?”, perguntaram alguns. Na tentativa de encontrar explicações alguns filhos lembraram-se de que o pai tinha dificuldades para tomar diariamente o medicamento para controlar a pressão arterial e muitas vezes ficava até uma semana sem usá-lo. Além disso, também usava medicamentos para combater a disfunção erétil, a ansiedade, os níveis elevados da glicose e do colesterol. Para completar o quadro foi lembrado que ele tomava diariamente uma ou duas doses bem generosas de sua cachaça preferida que era também recomendada aos filhos, ainda que fosse apenas uma “bicadinha” para sentir o gosto.

 

Outro fato marcante foi a decisão da filha mais nova de Paulito e Iarinha de criar um grupo de WhatsApp para agilizar as comunicações sobre o quadro clínico do pai. O grupo, administrado por ela, foi composto por filhos, genros, noras, netos, amigos, colegas e vizinhos. A primeira mensagem informava que o estado do paciente era grave, mas estável, como determina o protocolo padrão nessas ocasiões. Também foram informados os horários de visitas rápidas ao paciente na UTI do hospital, sendo no máximo duas pessoas à tarde e outras duas à noite, conforme a escala feita pela filha administradora. Só ela e a mãe Iarinha poderiam fazer visitas dia sim, dia não, enquanto os outros muitos interessados colocavam seus nomes numa lista para as outras vagas. A parte familiar do grupo de WhatsApp quase explodiu quando, no sexto dia de internação, a filha administradora interpretou mal uma fala de um médico intensivista da UTI e informou ao grupo a morte cerebral de Paulito. O desespero tomou conta de muitos enquanto outros questionavam a equipe médica sobre a real situação do pai e as perspectivas para as horas seguintes. A morte cerebral foi negada, mas o quadro grave reafirmado. Depois de tudo a filha administradora do grupo de WhatsApp pediu perdão a todos pelo seu erro de interpretação e também um voto de confiança para continuar à frente do processo.

 

Nos dias seguintes Paulito continuava do mesmo jeito e sem nenhum sinal de qualquer reação minimamente esperançosa. Passou a ter febres mais constantes e a pressão arterial foi ficando mais baixa. Foi aí que Iarinha e seus filhos solicitaram uma reunião com a equipe médica e um dos filhos perguntou de cara quais eram as chances do pai sobreviver, independente de sequelas, numa escala de 1 a 10. A resposta foi imediata informando que a chance seria 1. A reunião praticamente terminou ali e todos entenderam qual seria o desfecho mais provável. Em seguida foi passada a informação para todos os membros do grupo de WhatsApp. E, na alvorada do dia 14 de janeiro, Paulito veio a óbito e todos ficaram sabendo à medida em que acordavam e davam aquela olhada básica em sua rede social. Logo a seguir a movimentação do grupo girou em torno de condolências, perguntas sobre a hora de início do velório e depois sobre o dia e hora do sepultamento que, aliás, acabou sendo no final da manhã do dia seguinte. E não é que, um pouco depois, algumas pessoas começaram a perguntar sobre a missa de sétimo dia?!

 

Você se lembra de ter vivido alguma situação semelhante a essa, envolvendo parentes e amigos, nas duas primeiras décadas deste século ou realmente isso só acontece com os outros?