O estado do Ceará vem sofrendo há vários dias com ataques de facções criminosas, que estão levando pânico à população da capital e de várias cidades do interior cearense. Os criminosos estão tocando o terror em pontos que deixam as autoridades policiais sempre alerta. Ônibus, prédios públicos, viaturas policiais, carros particulares e estabelecimentos comerciais são alvos preferidos dos marginais. O governador do Ceará, Camilo Santana (PT), pediu e foi atendido pelo governo federal no envio de militares da Força de Segurança Nacional. Mas apesar deste reforço policial, os ataques continuam em diversas cidades.

Mais de trezentos criminosos foram presos e tirados de circulação, dentre eles, jovens de várias idades, que são oriundos das periferias cearenses, e que foram cooptados pelas facções que agem dentro e fora dos presídios. Esses jovens, em sua maioria, são filhos de famílias que vivem em extrema pobreza e que encontram na atividade do crime uma possiblidade de ter uma melhor condição de vida. Para muitos desses meninos e meninas só existe uma saída para tentar ter uma condição mínima de sobrevivência, neste caso, entrar para uma organização criminosa que possa lhes garantir sua própria sustentação e de parte de sua família.

O Brasil tem uma grande dívida com os milhares de jovens que vivem nas periferias das grandes cidades e espalhados pelo interior do pais. Muitos não conseguem concluir o ensino fundamental e médio. Saem para tentar uma vaga de emprego e sempre encontram dificuldades por não terem concluído seus estudos, ou mesmo por falta de formação de um curso técnico. A falta de oportunidade no mercado de trabalho, que cobra desses jovens uma certa experiência profissional, dificulta e muito a colocação de quem tenta e busca uma vida digna. Por outro lado, as empresas do crime sempre estão de portas abertas para quem deseja se tornar um funcionário dessas organizações e facções criminosas. Sempre há vaga disponível, já que a reposição desse material humano nunca se exaure.

Viver em situação de miséria, desilusão, falta de oportunidade, esperança de um futuro melhor, faz do mercado do crime se tornar uma opção para milhares de adolescentes e jovens, que são presas fáceis dos traficantes e chefões das diversas facções que se expandem pelo Brasil. Existe hoje no Ceará uma evidente luta de classe, onde o estado trava uma luta árdua contra um exército composto por pessoas que vivem sem as mínimas condições humanas e dignas. A ausência deste estado que poderia ter cuidado melhor dos seus cidadãos, fez surgir o estado repressor que abriu lacunas para que gangues pudessem exercer um papel central dentro dessas comunidades carentes, onde a presença governamental nunca existiu, a não ser através das forças policiais. A falta de compromisso social com os mais necessitados fez com que os donos do tráfico assumissem o papel que deveria ser do estado cidadão.

O que fica explícito no estado do Ceará é que existe uma luta de classe. O sistema prisional no Brasil está falido. A população carcerária brasileira em breve deve ultrapassar a marca de mais de setecentos mil presos, se forem cumpridos os milhares de mandados de prisão em aberto. O total de presos atualmente é de 686.594. Já o percentual de presos provisórios por unidade da Federação oscila entre 15% a 82%. De 27% a 69% dos presos estão custodiados há mais de 180 dias. O tempo médio da prisão segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), varia de 172 a 974 dias. Os crimes de tráfico de drogas representaram 29% dos processos que envolvem réus presos; crime de roubo, 26%; homicídio 13%; crimes previstos no Estatuto do Desarmamento; 8%; furto 7% e receptação 4%.

Este retrato mostra de forma contundente a atual situação de um sistema que é totalmente ignorado pelo poder público. E que retroalimenta um ambiente de violência e terror dentro das unidades prisionais, que se transforma num terreno de luta contra um estado que nega ao custodiados as mínimas condições para o cumprimento de suas penas. As masmorras medievais talvez não devam nada aos diversos presídios brasileiros. Dentro deste universo, onde milhares de homens e mulheres cumprem suas sentenças, a palavra dignidade não existe. Este sistema totalmente falido abastece e se fortalece com jovens e adultos que não tem, muitas das vezes, outras alternativas a não ser se tornarem peças de reposição das diversas organizações criminosas, que comandam de dentro e fora dos presídios as atrocidades e ataques que assustam a população brasileira.

Estamos assistindo uma verdadeira batalha do estado repressor contra uma sociedade marginal, que luta de forma violenta contra a opressão que existe dentro do sistema prisional. Enquanto não houver uma política pública que possa garantir ao preso o cumprimento da sua pena com dignidade, vamos ter por muito tempo uma população carcerária confrontando o poder do estado. Os governos devem adotar com certa urgência ações que possam atrair essa multidão de jovens e adultos vindos das camadas sociais mais necessitadas, dando-lhes condições de se tornarem homens e mulheres capazes de construir seus próprios futuros, dentro de uma sociedade mais justa e fraterna.