O nível de insegurança em nosso país chegou a patamares socialmente intoleráveis, tendo como principal motivo a repercussão das ocorrências de criminalidade violenta, com destaque para seu aspecto subjetivo. Alguma coisa teria que ser feita, e o senhor presidente acaba de criar o Ministério Extraordinário da Segurança Pública.
É aquela história: “é melhor decidir, ainda que errado, do que não decidir”. Contudo, em sendo extraordinário, abre a oportunidade de ser extinto, o que, acredito, seria bom, pois, a exemplo da decretação da intervenção no RJ, o governo exagerou novamente.
Essa tal de segurança pública, transformada em problema social, que pode ser enquadrado na salvaguarda social – mecanismo de defesa contra a ameaça-crime, com destaque para a criminalidade violenta – integrando a defesa social, não está devidamente dimensionada, delimitada. Aliás, nunca esteve, seja sob aspecto conceitual, contextual, estrutural e/ou comportamental, ensejando improvisações, intervenções pontuais, administração por susto.
O governo foi vítima da pouco conhecida e insuficiente Estratégia Nacional de Defesa (porque cuida apenas da Defesa Nacional, com ênfase no campo militar, e desconhece a Defesa Social, a principal origem daquela, excluídos eventuais conflitos internacionais). Trocando em miúdos, o Ministério da Defesa (MD) tem apenas um braço, que cuida da Defesa Nacional. Bastaria alocar os departamentos, que estão saindo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em um segundo braço, a ser criado no MD, para corrigir a atual orfandade da Defesa Social. Sem aumentar a estrutura governamental, com o ganho adicional de facilitar a coordenação da interligação, da interação e da operacionalização desses dois mecanismos de proteção (nacional e social) e sem custos adicionais.
A missão do novo órgão é “coordenar e promover a integração da segurança pública em todo o território nacional em cooperação com os demais entes federativos”.
Lembrei-me da célebre frase de Garrincha, “vocês combinaram com os russos?”, porque logo me veio a pergunta: o governo já definiu o que é segurança pública?
Afinal, qual a segurança pública que terá tratamento ministerial? Aquela que a grande maioria da população entende como sendo sinônimo de contenção da criminalidade violenta e do crime organizado ou a outra, técnico-doutrinária, que sempre será uma utopia por definir, essa segurança, como sendo um ambiente em que todas as vulnerabilidades e ameaças à preservação da vida e a perpetuação da espécie humana estão totalmente controladas e, simultaneamente, há a crença de que isso está ocorrendo? Poderia ser o simplismo do conjunto de operações que visam a “correr atrás de ladrão e prender bandido” ou aquela que trabalha para a mantença da ordem social, até o estágio da grave perturbação dessa ordem que, ultrapassado, passa à autoridade federal, em razão da possibilidade de afetar a ordem nacional?
Certamente, há muitas questões a serem enfrentadas pelo novel ministério, iniciando, por exemplo, pelo posicionamento, mostrando a que veio; deve estimular estudos e pesquisas, visando a fixar doutrina própria para essa área; em conjunto com outros órgãos, prioritariamente deve sugerir políticas públicas, de Estado; em trabalho multidisciplinar, pesquisar, identificar e sugerir formas de correção de causas e efeitos da criminalidade violenta; resgatar a autoridade do agente penitenciário, reconhecendo-o como policial penal; evitar o emprego das FFAA na fase de (grave) perturbação da ordem nacional, equipando as polícias estaduais e, evoluindo o problema, priorizar o emprego da Força Nacional; e muito mais!...
Convém lembrar que reduzir a criminalidade violenta não é tarefa peculiar, somente de polícia. Exige um esforço de governo, multissetorial, que se inicia com a identificação dos fatores geradores da matriz de insegurança, as causas e os efeitos dessa criminalidade, que estão fora da área de competência das polícias. Se se fizer uma pesquisa retroativa, provavelmente vamos encontrar a origem da criminalidade violenta no surgimento e no desenvolvimento de um problema moral e ético. É que, a partir do início da década de 70, com o deslumbramento do milagre econômico e o surpreendente êxodo rural, que deram origem à superlotação das grandes cidades, aos poucos, regras sociais deixaram de ser obedecidas e os valores sociais deixaram de ser respeitados, gerando uma cidadania deformada. Certamente uma cruzada nacional, sinérgica, poderá minimizar essa doença social. Insiste-se em afirmar que educadores e assistentes sociais têm papel fundamental nessa campanha.
Enfim, cabe ao governo estabelecer metas para órgãos específicos, fixar a coordenação dessa atividade e definir interação de ministérios, visando a controlar vulnerabilidades e mitigar ameaças que dão origem e incrementam a criminalidade violenta.
(*) Coronel Reformado da PMMG
Foi Comandante da Região Metropolitana de BH