REPERCUSSÃO PÓS-JULGAMENTO

Após o Supremo Tribunal Federal rejeitar Habeas Corpus preventivo ao ex-presidente Lula nesta quarta-feira (4/4), reafirmando a dispensa de trânsito em julgado para a execução de pena de prisão, especialistas ouvidos pela ConJur manifestaram-se sobre a decisão e os impactos para o sistema processual penal e para a ordem constitucionalista.

Pierpaolo Cruz Bottini, advogado e professor de Direito Penal da USP

O STF manteve uma posição contrária ao texto constitucional e ao texto legal. Pode se questionar o sistema de quatro instâncias e a morosidade dos processos, mas a arena para essa discussão é o poder legislativo, e não o judiciário.

Luís Henrique Machado, advogado

Apesar de se tratar de um julgamento de HC, de índole subjetiva, o tribunal perdeu uma excelente oportunidade para definir se a execução provisória é facultativa ou obrigatória. A Corte pecou por não estabelecer parâmetros. Como o habeas corpus ganhou feição objetiva, isto é, tornou-se uma referência para as outras causas, importante seria aprofundar a discussão. Infelizmente, o regime lotérico continuará seja por meio de concessão de liminares assegurando o direito de ir e vir, seja ao denegar automaticamente a liberdade, a depender do relator sorteado para o processo.

Lenio Streck, jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito

Mesmo que seja revertida a decisão, o estrago está feito. O julgamento representa o triunfo da moral sobre o direito. O triunfo do voluntarismo judicial. A derrota do direito legislado. O julgamento também representa a derrota dos conceitos jurídicos. A doutrina foi trucidada por argumentos de autoridade. Alguns ministros ao mesmo tempo reverenciaram textos legais e, minutos depois, resgaram outros textos. Parece que o direito brasileiro só quer falar inglês.

Para a ministra Rosa, poderíamos cantar a música do Chico, João e Maria: "agora eu era herói e meu processo só falava inglês". Ora, que história é essa de colegialidade? Isso não é princípio. Pela tese da colegialidade, o STF nunca poderá alterar sua posição. Ora, na Inglaterra, em 1966, Lord Devlin já alertara para isso. E a corte inglesa mudou sua posição. Por aqui tudo que é 'common law' vira chique. 'Cool'. Hoje é o primeiro dia do resto de nossas vidas no direito que foi superado pela opinião pessoal de alguns ministros do STF. Levaremos anos para juntar os cacos. Foi um tsunami jurídico.”

Gustavo Badaró, professor de Direito Processual Penal da Universidade de São Paulo

O resultados foram previsíveis, nenhum argumento novo que me impressionou. O que me impressionou é que achei que seria 6 a 5 em sentido contrário, com o voto oposto da Rosa Weber. A posição dela no sentido de respeitar a maioria não tem justificativa quando se trata do Plenário do STF. Pouco importa se o tribunal está reunido num Habeas Corpus ou para analisar ADI ou ADC. Aliás, nos dois outros casos em que houve virada de jurisprudência do STF, em 2009 e em 2016, o que teve foi mudança de posição do STF, no Plenário, em julgamento de HC.

Acho que a Rosa, com a qual concordo que na turma deve se seguir a decisão majoritária do Plenário, mesmo sendo contra convicção pessoal, errou por não dar a sua própria posição. Se tem um lugar onde todo ministro não só pode como deve, independente da natureza da peça, dar sua opinião, e é assim que se forma a maioria no STF, é no Plenário. Foi decepcionante a posição dela. Num lado ou outro, a favor ou contra, ontem foi o momento de cada ministro dar a sua posição sobre o que entende ser a presunção da inocência e limite o seu temporal. Foi frustrante ver a Rosa se escusando de dar a sua posição sob a alegação de formalidade, que se tratava de HC.

Salo de Carvalho, advogado criminalista e professor de Direito Penal da UFRJ

Do meu ponto de vista, [a decisão do STF] cria uma instabilidade maior, tendo em vista o notório caráter de temporariedade do entendimento. Tomou-se uma decisão que se sabe não será a posição da maioria da corte quando forem julgadas as ações diretas de constitucionalidade [43 e 44]. A ministra Rosa Weber, ao não querer ser casuísta, acabou produzindo uma decisão casuísta.

Fernando Mendes, presidente da Associação Brasileira de Juízes Federais (Ajufe):

Ao julgar e denegar a ordem no HC 152.752, o Plenário do STF reafirmou o entendimento adotado no HC 126.292, no qual reconheceu que a execução da pena, a partir do segundo grau de jurisdição, não viola o princípio da não-culpabilidade ( artigo 5º, LVII, CF/88). A interpretação de que a Constituição Federal não exige o trânsito em julgado para o início do cumprimento do pena não é nova no STF, uma vez que esse entendimento já havia prevalecido naquela corte entre 1988 a 2009, por mais de 20 anos, portanto, sendo restabelecido em 2016.

Entendo correta a delimitação que o STF deu ao princípio da presunção de inocência, na medida em que os recursos ao tribunais superiores não comportam mais o reexame da matéria fática, que é definida no julgamento que ocorre nos tribunais regionais federais e tribunais de Justiça. A maior efetividade das decisões judiciais contribui para desfazer a exacerbada disfuncionalidade do sistema penal brasileiro, serve de prevenção geral à prática criminosa e tem papel relevante no combate à impunidade.

Marcelo Nobre, advogado e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça:

É inimaginável que após 20 anos de ditadura em nossa pátria e após termos conseguido redemocratiza-la com muito sangue, muito suor e muitas lágrimas, reconquistando os direitos e as garantias do povo brasileiro e consolidando-os na constituição cidadã de 1988, com a participação de todos os setores representativos de nosso País, desde os trabalhadores mais humildes até os maiores empresários, venhamos agora admitir que esse pacto social seja modificado por pessoas que não representam o povo brasileiro, posto que não possuem a legitimidade advinda do voto popular.

Quem assume um cargo público no Brasil faz o juramento de cumprir a Constituição!

Mesmo nos casos em que a justiça tarda a chegar, não podemos imputar a culpa ao réu. Se demora houver, ela é do sistema de Justiça.

Os que defendem o desrespeito a Constituição que se candidatem a um cargo no congresso nacional e após se legitimarem através do voto popular, que proponham a mudança da Constituição. E se forem milhares de pessoas as defensores desta tese, que se utilizem da própria Constituição para encaminhar um projeto popular para que tal mudança ocorra.

A sagrada Constituição mostra o caminho para quem acha que ela necessita de alteração. E não é descumprindo o pacto social de seu povo que prestigiaremos o estado democrático de direito e a democracia. Simples assim!! O resto é jeitinho, é manobra, é ilegal, é ilegítimo.

Adilson Macabu, advogado

A presunção da inocência é cláusula pétrea, que não pode ser mudada pelo tribunal. Aliás, nem o Congresso pode alterar o que Constituição diz nesse sentido, por ser um direito fundamental. Só uma nova Assembleia Nacional Constituinte pode mexer nisso.

Reinaldo Santos de Almeida, advogado e professor de Direito Penal da UFRJ

A decisão reduziu a pó de traque a garantia da presunção constitucional de inocência com consequências negativas desastrosas para milhares de brasileiros que hoje são e no futuro serão vítimas da fúria punitiva do Estado, isto é, um desserviço à Constituição e à democracia no país.

Délio Lins e Silva Júnior, criminalista

A ministra Rosa se abster de votar no mérito respeito suposta maioria, que caso ela votasse de acordo com o entendimento dela seria alterada, achei surreal, absurdo. Acho inclusive que se criou ontem uma teratologia, mais uma jabuticaba jurídica brasileira. Uma loucura, situação esdrúxula, porque há maioria formada, mas derrotada, podemos dizer. Nunca vi isso na minha vida. Ou uma minoria vencedora, não se sabe até quando, depende de quando a ministra Cármen vai pautar para julgamento as ações que tratam sobre o tema.

Michel Saliba, advogado e presidente da Abracrim-DF

Respeito a decisão do STF e não poderia ser diferente, mas lamento que as ações declaratórias de constitucionalidade não tenham sido pautadas e julgadas, e que a opção tenha sido trazer a foco o julgamento de um _Habeas Corpus_ que trata de caso concreto, com alcance muito menor do que as ações de controle concentrado, que visam analisar a constitucionalidade de uma norma ordinária. O Plenário deveria julgar as ADCs 43 e 44 antes do Habeas Corpus do ex-presidente Lula. Infelizmente, com todas as vênias, eu entendo que a análise da presunção de não culpabilidade até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória foi fulanizada, tanto é verdade que as forças militares se pronunciaram antes do julgamento de ontem, deixando transparecer algo muito estranho à democracia. Um tom marcial, que não se via desde a época do regime militar. Não podemos achar natural o que está acontecendo em relação ao respeito às garantias individuais no país. Que se mude a Constituição e as leis infraconstitucionais, mas enquanto seus ditames vigorarem, não cabe interpretação extensiva se o bem a ser tutelado é a liberdade. Fico com o in dubio pro reo, pois o in dubio pro societate só se sustenta se essa sociedade observar a garantia individual de cada um de seus entes.

Aury Lopes Jr, professor de Direito Processual Penal da PUC-RS

Foi um dia muito triste, em que o STF, novamente por maioria apertada, rasgou a CF. Era indissociável a questão da inconstitucionalidade da execução antecipada com o objeto do habeas corpus e, por conta de um voto confuso e contraditório da Min. Rosa Weber, a questão não está resolvida. Ela deixou no ar a possibilidade de votar a favor da execução antecipada agora e depois declarar, no futuro, a constitucionalidade do artigo 283 e, por consequência, a inconstitucionalidade da execução antecipada! Isso sim é gerar insegurança jurídica. No restante, ainda se viu um festival de atropelos conceituais e um apelo punitivista-populista do ministro Barroso que realmente causou espanto. Como pano de fundo de tudo isso, houve uma preocupante manipulação da pauta por parte da presidência - denunciada várias vezes pelo Min Marco Aurélio - que já deveria ter pautado as ADCs antes de se chegar a esse ponto. Sem falar que existem dezenas de HCs distribuídos antes deste em julgamento e que deveriam ter sido pautados, tirando o peso do 'fator Lula' e evitando a polarização política em torno de uma questão que é estritamente constitucional e processual penal. Criou-se, propositadamente, uma ambiência de grave confusão entre o político e o jurídico. Perdeu a Constituição e o STF com tal "estratégia".

Cléber Lopes, advogado

A decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, mostra, uma vez mais, que em nome do bem, faz-se o mal, pois para prender o Lula, símbolo de uma cultura que sempre misturou a coisa pública com a privada, a maioria dos Ministros acabou reafirmando a possibilidade de que inúmeros réus, pobres, inclusive, cumpram suas penas antecipadamente, mesmo que depois tenham a reprimenda reduzida, ou até mesmo reconhecida a improcedência da acusação.

Afirmar que os Tribunais superiores não examinam prova, para dizer que a cognição plena dos fatos é das instâncias ordinárias, chega a ser uma ingenuidade, na medida em que todos que atuam na área criminal sabem que há uma grande diversidade na interpretação do direito infraconstitucional, em ordem a justificar a intervenção, ao menos, do Superior Tribunal de Justiça em sua missão constitucional de uniformizar a interpretação das leis que estão fora da Constituição.

No ponto, é preciso que os Ministros da Suprema Corte vejam que o Supremo é guardião, mas não é dono da Constituição. A Constituição é da sociedade. Assim, importa ressaltar que a garantia segundo a qual ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ao lado das demais garantias acima referidas, encontra-se protegida pela nota de cláusula pétrea, ou seja, somente o constituinte originário poderia suprimi-la do rol das garantias individuais do homem. Esse é o argumento central que me entusiasma a escrever esse modesto artigo, pois o que o Supremo fez, em última análise, ainda que movido pela melhor das intenções, foi suprimir, ou relativizar, uma garantia fundamental, coisa que o Congresso Nacional que aí está não poderia fazer, nem mesmo por meio de emenda ao texto constitucional. A questão é simples assim!

Fora disso, como todo o respeito, a questão vira sofisma e só confirma a tese de que o Direito é mesmo uma massa de modelar. Ao lado desse ponto matricial da questão, vejo com muita preocupação a guinada na jurisprudência, pois isso me faz pensar que a Suprema Corte poderá dizer daqui a pouco que não há mais reserva de jurisdição para a quebra do sigilo das comunicações telefônicas, por exemplo, como já está sinalizando ao dizer que a Lei Complementar 105 é constitucional.

Vejam a gravidade do problema, pois a argumentação da maioria ao autorizar o cumprimento da pena após a confirmação da sentença pelo segundo grau de jurisdição, passa pelo sentimento da sociedade e isso me leva a concluir que havendo um levante popular contra outras garantias constitucionais poderá haver mais retrocesso no plano dos direitos fundamentais, como por exemplo admitir a tortura, poios sem ela muitos delitos não são descobertos e isso gera impunidade.

Pois bem. Se o problema está na nossa Constituição, sejamos francos e honestos para propor uma nova carta mais ajustada aos anseios da nossa sociedade, o que não me parece o caso, pois a nossa Constituição, embora pródiga no capítulo dos direitos fundamentais, ainda está longe de ser inadequada para nossa realidade, sobretudo quando se sabe que a sociedade quer é comida, diversão, escola, hospital, segurança, estradas, emprego e, claro, menos corrupção, mas não é por conta de meia dúzia de réus endinheirados que permanecem soltos por que ainda não condenados em definitivo que faremos essa mutilação do texto constitucional.

Estou certo de que pagaremos um preço alto por essa mudança de rumo na jurisprudência, pretensamente motivada pelo sentimento da sociedade, isso por que não vai demorar para vivermos um quadro em que pessoas inocentes, principalmente os costumeiros clientes do sistema punitivo, serão levados ao cárcere e depois postos em liberdade por que a decisão estava errada. Penso que a decisão do Supremo enfraquece a jurisdição extraordinária, que é prestada pelo STJ e pelo próprio STF, na medida em que sugere que o Recuso Especial e o Extraordinário, são apenas meios de protelação da conclusão do processo, quando se sabe que há muitos casos – não tenho os números – em que há provimento desses apelos excepcionais, senão para absolver, mas para reduzir a pena e isso pode mudar o regime de cumprimento, com as consequências que todos conhecemos.

Renato Stanziola Vieira, advogado criminalista e diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

O julgamento de ontem significou o pior ataque que uma das mais importantes normas constitucionais poderia sofrer, vindo justamente do órgão que deve proteger a Constituição. O Supremo feriu de morte a garantia constitucional da presunção de inocência.

Seja por argumentos utilitaristas, seja por argumentos que miravam no sistema recursal brasileiro e atingiram a constituição, que é um erro, seja por argumentos de tibieza, especificamente no caso da ministra Rosa Weber, que manifestou opinião pessoal e se escondeu atrás de um equivocado juízo colegialidade, justamente porque a própria questão em debate era o precedente de 2016, que era o ponto de julgamento de fundo no Plenário. Seja por uma comparação rasteira contra os sistemas jurídicos, justamente porque a norma constitucional brasileira existe, é expressa, é uma regra constitucional clara, que não admitiria ser colocada numa comparação com sistemas onde esta mesma norma não existe."

Daniel Burg, advogado criminalista

A ministra Rosa Weber demonstrou, nitidamente, que, se estivesse em julgamento uma das ADC's interpostas para tratar de tema similar ao da impetração, teria votado de acordo com sua convicção, que é no sentido da impossibilidade da prisão antes do trânsito em julgado. Contraditório, portanto, que Rosa Weber, para denegar a ordem tenha sustentado que a decisão do STJ não era ilegal, já que estava em consonância com o que vinha decidindo a maioria dos Ministros do STF. Até porque, se ela tivesse seguido o entendimento que ela efetivamente tem, essa maioria deixaria de existir."

Luiz Flávio Borges D'Urso, advogado, conselheiro federal da OAB por São Paulo e ex-presidente da OAB-SP

O julgamento do HC do Lula, não resolveu o impasse quanto à prisão após condenação em segunda instância.

A presidente do STF, ministra Carmen Lúcia, poderia ter pautado para julgamento as ADCs, antes do Supremo julgar o Habeas Corpus preventivo do ex-presidente.

Isto não ocorreu e o STF se viu obrigado a manifestar-se sobre a execução provisória da pena, a partir da segunda instância, num caso concreto, e pior, exatamente num caso que incendeia paixões de lado a lado.

Embora tivemos um resultado nesse julgamento, pelas manifestações dos Ministros, a Corte se mostrou dividida e a decisão se equilibra, temporariamente, no fio da navalha.

O Brasil espera uma decisão clara e precisa sobre o tema, para que tenhamos segurança jurídica e, espera-se, o retorno à ordem constitucional.

A nossa Suprema Corte precisa corrigir o que denominamos como um Desastre Humanitário, pois ao flexibilizar o princípio da presunção de inocência, desejando fechar a janela da impunidade, abriu-se a porta para o erro judiciário, mutilando cláusula pétrea de nossa Constituição Federal.

Apesar de tudo isso, o STF terá uma nova oportunidade, quando do julgamento das ADCs, para prestigiar a nossa Carta Magna

Aldo de Campos Costa, procurador da República

Se por um lado o resultado do julgamento prestigiou a integridade de duas recentes decisões do Supremo (HC 126.292 e ARE 964.246), também lança dois interessantes questionamentos.

O primeiro deles diz respeito à própria compreensão do que vem a ser um precedente para a formação da jurisprudência do tribunal. Casos decididos por maioria apertada, em processos de natureza subjetiva, podem ser considerados precedentes válidos para a afirmação do princípio da colegialidade?

O segundo tem a ver com a possibilidade da jurisprudência mais benigna retroagir. A sinalização de mudança de entendimento da corte por ocasião do julgamento das ADCs 43 e 44 impedirá, no futuro, a execução provisória da pena privativa de liberdade imposta ao ex-presidente Lula até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória?"