CONDUTA INCOMPATÍVEL

Ainda que não se tratando de crime funcional, um magistrado deve ser afastado caso o crime comum seja grave para o exercício da função. Com base nesse entendimento a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça recebeu denúncia e determinou o afastamento cautelar de um desembargador do Paraná até o julgamento da ação penal, ainda sem data prevista.

Por unanimidade, o colegiado recebeu denúncia contra o magistrado por crime de lesão corporal contra a mãe e uma irmã, em 2014. O afastamento não inclui interrupção do recebimento de salário e benefícios.

A denúncia do Ministério Público Federal foi formulada com base na Lei Maria da Penha. Conforme a ação, houve um bate-boca quando os irmãos tratavam sobre os cuidados a serem dispensados aos pais. De repente, segundo o MP-PR, o magistrado teria atingido a mãe, de mais de 80 anos.

O relator do caso, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, votou pelo recebimento da denúncia por entender que há indícios razoáveis de autoria e prova de materialidade do crime. Para ele, a denúncia demonstra a existência de “lastro probatório mínimo”, suficiente para indicar “a possível prática do crime de lesão corporal”. No entanto, considerou que o afastamento seria medida “desarrazoada e desproporcional” pelo crime não ter sido cometido no exercício da função. Além disso, a pena máxima prevista em caso de lesão corporal não resultaria na perda do cargo de desembargador.

Para os ministros que votaram pelo afastamento, a conduta imputada ao magistrado é grave, incompatível com o exercício da atividade, o que justifica a medida. O ministro Jorge Mussi abriu a divergência ao votar a favor do afastamento do desembargador, mas para a decisão foi necessário o voto da presidente do STJ, ministra Laurita Vaz, já que a medida exige o quórum qualificado de dois terços dos membros do colegiado — no caso, dez votos.

Ao acompanhar a divergência, o ministro Og Fernandes afirmou que “o que estabelece a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) sobre o decoro e comportamento é um ônus, parecendo-me haver incompatibilidade do exercício da função com o tipo penal.” A ministra Nancy Andrighi ponderou que “para o bem da Justiça como instituição e a lisura total do julgamento, é necessário o afastamento.”

Com posição contrária, o ministro Raul Araújo julgou precipitado o afastamento. “As irmãs estavam munidas de gravador. A pessoa pode ter sido provocada a tal ponto que ela perde o bom senso numa fração de segundos. Não vejo razões para considerarmos de já incompatível com a magistratura o comportamento, que não sabemos em detalhes como se deu. Será que foi provocado até a última resistência?”

Durante a decisão, os ministros lembraram que este mesmo magistrado já responde a outra denúncia, aceita pela Corte Especial em novembro de 2017, desta vez pela agressão a uma dona de casa. Segundo o MPF, em meio a uma discussão em que o desembargador foi acusado pela mulher de jogar entulho no terreno dela, foi agredida por ele. Um policial aposentado interveio e deu voz de prisão ao magistrado. Este também deu voz de prisão ao policial. O afastamento não foi determinado na época por não ter alcançado o quórum necessário.

O ministro Mauro Campbell lembrou esta outra ação recebida pelo STJ, como também o fez o ministro Humberto Martins: “aparentemente, o grau de tolerância do magistrado é zero”. “Agride a vizinha com a pá, a irmã com socos. Isso foge aos padrões éticos de conduta do magistrado, que tem que ter temperança, prudência, sensibilidade e sobretudo sentimento ético”.

APn 835

fonte:ConJur