Há algum tempo, afirmamos, aqui, que a chamada segurança, sob o aspecto pleno, total, absoluto não existe. Significa dizer que se vive em um ambiente de insegurança em Brumadinho, em Nova York, em Shangai, ou seja, em qualquer parte do mundo. Portanto, todo esforço de defesa da sociedade não visa a aumentar a segurança, mas, sim, a reduzir o nível de insegurança, antecipando, reduzindo vulnerabilidades no tecido social ou, então, a mitigar ameaças que chegam ao organismo social. Enfim, a insegurança existe porque há fatores inopinados e imponderáveis intervindo no nosso dia a dia. O que fazer? Fortalecer nossas instituições, sejam públicas ou privadas, que representam o revestimento do organismo social contra as vulnerabilidades e, paralelamente, prevenir as ameaças. E, dentre as 05 (cinco) grandes ameaças, citam-se os desastres, cuja definição está no Manual de Planejamento em Defesa Civil como “resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem, sobre um ecossistema vulnerável, causando danos humanos, materiais e ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais”.

Após essa breve introdução doutrinária, vamos concentrar-nos em 02 (dois) desastres recentes, ocorridos em Mariana e Brumadinho, resultantes de rompimento de barragens de contenção de resíduos sólidos. De acordo com a Classificação e Codificação Brasileira de Desastres (COBRADE), esses eventos estariam no grupo Desastres Relacionados a Obras Civis, do subgrupo Rompimento/Colapso de barragens. Especula-se, até então, que a responsabilidade pelo acontecimento é da VALE (Cia Vale do Rio Doce, até 2007), encarregada do planejamento e operacionalização de condutas de prevenção, e, também do poder público, nos três níveis e esferas, que tem a missão de realizar fiscalizações. Com as informações e constatações obtidas até o momento, é absolutamente temerário apresentar-se um juízo de realidade, juízo de fato, mas é possível um juízo de valor. E, ao que parece, há um elenco de fatores negativos que contribuíram para o que já se pode chamar de tragédia.Começando com o tratamento dado, na área pública, aos procedimentos preliminares relativos ao licenciamento ambiental, onde pairam situações nebulosas. Para uns, a percepção é de que há entraves burocráticos, que provocam substanciais e desnecessários atrasos, e, para outros, há favorecimento e aceleração de liberações (algumas ilegítimas e ilegais), mormente quando há interferências de políticos. Consta haver falhas grotescas, em muitos projetos, que são descobertas a posteriori, se e quando ocorre um desastre. E, para piorar as coisas, surge a notícia de que mineradoras teriam feito doações a partidos políticos e a políticos diretamente, além de suspeitas de corrupção passiva e, até mesmo, concussão. Felizmente, o Ministério Público já está apurando esses e outros fatos congêneres.

Outro aspecto a ser considerado é a inexistência de um Plano de Contingência, que o município devia ter elaborado, com envolvimento da VALE e demais órgãos compromissados com as táticas de enfrentamento a determinada hipótese de desastre. Não havendo tal plano, a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, com muita agilidade e objetividade, elaborou o Plano de Operações, para responder à situação real de desastre.

Duas situações merecem destaque: a primeira é a efetividade presente na coordenação das operações, da logística e da administração desse trágico evento, o que tem ensejado um exitoso resgate de vítimas, ainda que atuando em cenário altamente adverso.

A segunda diz respeito à discrição e a competência com que esse heroico trabalho vem sendo realizado por abnegados profissionais e voluntários que, mesmo exaustos, encontram forças para, a cada raiar do dia, reiniciar o trabalho de buscas, objetivando, agora, a trazer paz para os corações de parentes de vítimas.

Inteligentemente, foi designado um porta-voz extremamente competente e desenvolto, aliviando o coronel Borges (Coordenador Estadual da Defesa Civil - CEDEC) e o coronel Estevo (Comandante do Corpo de Bombeiros de MG) dessa tarefa, permitindo concentração nas orientações e no apoio ao trabalho de seus intrépidos subordinados.

O trabalho de buscas das vítimas deve perdurar até que, tecnicamente, seja definida a improbabilidade de êxito. Isso deve demorar, pois o propósito é tentar não deixar famílias sem receber os corpos de entes queridos.

Segundo notícias que circulam na mídia, o trágico acontecimento vem constituindo-se em agente indutor de correções, principalmente na área da mineração. Algumas barragens começam a ser alvo de fiscalização e de medidas corretivas, depois que o Ministério Público passou a priorizar ações que se antecipem ao surgimento de novos acidentes desse tipo.

Enfim, os desastres estão fazendo brotar dúvidas sobre comportamentos ilegítimos e ilegais de órgãos públicos e privados diretamente envolvidos com a atividade de mineração, o que a população já não aceita mais. Pelas ações recentes, depreende-se que o Ministério Público e o Judiciário também não! O governo precisa rever a questão de tributos e de royalties de empresas do agronegócio e de mineradoras, que deixaram de pagar, até 2017, R$ 269 bilhões em impostos por isenção, consoante a Lei Kandir, criada no governo FHC. Ainda, exigir que todos os planos fixados pela legislação sejam elaborados e implantados pelas empresas, e acompanhá-los e fiscalizá-los.

Certamente, a CEDEC elaborará um Estudo de Caso, para exame de erros e acertos ocorridos antes, durante e após esse trágico evento, visando a servir de eventual subsídio ao exame de responsabilidades e, sobretudo, para fortalecer o aprendizado, a ser colocado em prática, com efetividade, em situações semelhantes no futuro.

*Coronel da Reserva da PMMG

Ex- Comandante do Policiamento da Capital