CRÍTICA


Difícil imaginar a dimensão da tarefa colocada nas mãos do diretor e roteirista Ryan Coogler - e de toda a equipe do primeiro Pantera Negra - de seguir com a franquia após o trágico falecimento do astro Chadwick Boseman. A perda de alguém tão central na construção do fenômeno cultural em que se transformou o filme de 2018 não apenas abalou as estruturas dos envolvidos como deixou um vácuo difícil de ser preenchido por qualquer sucessor. Pantera Negra: Wakanda para sempre, em cartaz, entende bem isso e faz das tripas coração para se equilibrar entre uma narrativa que anda com as próprias pernas com sobriedade e a homenagem mais digna possível ao ator que era a razão de ser do megaprojeto.


Nesta continuação, Wakanda está de luto pela morte do rei T’Challa (Boseman) enquanto tenta manter sob controle a crescente cobiça internacional pelo poderoso mineral Vibranium, do qual, até então, só tinham conhecimento da existência nos seus domínios. A tentativa de exploração da substância pelos americanos no fundo do oceano acaba provocando a fúria do reino subaquático de Talokan, liderado por Namor (Tenoch Huerta), que propõe aos wakandanos uma aliança para guerrear contra as outras nações – do contrário, o conflito se dará entre eles mesmos. 


Nessa trajetória de negociações e confrontos, assumem a dianteira as já conhecidas personagens que rodeavam T’Challa no longa: sua irmã, Shuri (Letitia Wright), sua mãe e agora rainha, Ramonda (Angela Bassett), a viúva, Nakia (Lupita Nyong’o), e a general Okoye (Danai Gurira). Assim, Wakanda para sempre descentraliza mais a trama e, ao longo de nada modestos 162 minutos, expande seu mundo sem perder de vista o equilíbrio entre a encenação verossímil e a contemplação ocasionalmente cafona da fantasia. Visualmente, é sem dúvida o trabalho mais bem resolvido e vistoso da Marvel em alguns anos e muito disso se deve à autonomia iconográfica que esta franquia luta para preservar no meio da overdose de universo compartilhado.


Embora o tom inicial seja naturalmente de luto e homenagem (o prólogo é uma dedicatória poética e cheia de silêncios), o filme, felizmente, não faz da missa fúnebre sua essência e desenvolve os próprios dilemas a partir do estado pesaroso de suas personagens. O tom é solene e o humor sob controle, mas Ryan Coogler dobra a aposta no refinamento dos efeitos visuais - das pouquíssimas coisas criticadas no longa de 2018 -, se dá a liberdade de estilizar ainda mais as coreografias de luta e localiza melhor a geografia de Wakanda. Mesmo sob a imensa sombra de T’Challa, portanto, a experiência isolada do filme é inequivocamente sólida.


Por mais inspirador que seja ver uma representação feminina negra à frente de um blockbuster dessa escala, no entanto, a escolha de Shuri como elemento centralizador custa muito caro ao protagonismo do filme. Apesar de talentosa e de transbordar carinho pelo material, Letitia Wright não tem a presença ou a imponência de nenhuma das principais atrizes com quem contracena. Particularmente no ato final, fica evidente certo desinteresse da direção na sua personagem, filmada de modo corriqueiro e quase separada da proporção agigantada do resto da produção.


O tributo que desde o começo esteve no cerne do trabalho de Ryan Coogler, não obstante, foi absolutamente exitoso: o respeito por um legado passa tanto pelo reconhecimento do que foi feito quanto por uma promessa do que há por fazer. E, ao menos em Wakanda para sempre, esse futuro está nas mãos das mulheres.