Um dos mais icônicos nomes da música nacional do final do século passado ganhou não apenas uma cinebiografia produzida com cuidado vendável, mas uma homenagem à pureza de sua amizade. Duas décadas depois do desfecho trágico da dupla, com o acidente de carro que levou embora Claudinho aos 26 anos, em 2002, chega aos cinemas o filme Nosso sonho, que reconstitui os passos dos artistas desde a infância até o auge do seu sucesso durante a década de 1990.

O nascido Claucirlei Jovêncio de Souza – posteriormente conhecido apenas pelo apelido ‘Buchecha’ – é o olhar pelo qual o público vai conhecer essa história, que começa com os dois amigos de infância, crescidos numa comunidade em Niterói, firmando um laço intenso de cumplicidade que, naquele primeiro momento, parecia ter ficado perdido no passado quando foram morar em lugares diferentes. Já na juventude e enfrentando a difícil relação com seu pai, homem instável e intempestivo, o protagonista deixa a casa de sua mãe e vai morar em Salgueiro com a tia, na casa que se transforma em uma nova família.

É nessa mudança repentina que os amigos se reencontram. Buchecha (Juan Paiva), que começa a trabalhar como office-boy, e Claudinho (Lucas Penteado), que não tira da cabeça a ideia de formar uma dupla de MC, começam a frequentar os bailes da favela e não demora para que os dois comecem a elaborar suas letras, participar de competições e popularizar seus nomes. Mesmo sem total noção de afinação, como o próprio Claudinho contava, eles pegaram rápido o traquejo e palco e se firmaram a partir da segunda metade da década como um dos maiores sucessos do funk no Brasil.

Com direção de Eduardo Albergaria (Happy Hour: Verdades e consequências), Nosso sonho faz menção já no título a um dos grandes hits da dupla, lançado em 1996, mas seu significado vai além, já que é um filme focado mais nos momentos de amizade e na construção desse desejo pelo reconhecimento (no caso de Buchecha, sobretudo um reconhecimento paternal) do que nos shows. As cenas de apresentação da dupla são filmadas com uma contenção incomum nesse tipo de cinebiografia voltada para astros da música, como se carregassem uma melancolia implícita no fato de que o público sabe como aquela história terminou – o parte dela.

Essa opção pelo intimismo, o cuidado na direção desses momentos menores de interação e, principalmente, a autenticidade das intepretações principais – com destaque para Nando Cunha no papel desse pai cheio de sentimentos, mas incrivelmente falho e egoísta – dão a Nosso sonho uma força grande para superar a trilha de lugares comuns que ele, naturalmente, sente que tem de abraçar. O principal deles aqui é essa jornada de crescimento através da música e a batalha contra os problemas familiares acarretados com sucesso.

Ainda que façam falta no roteiro mais informações sobre a vida de Claudinho para além do ponto de vista de seu parceiro, o filme encena com muita sensibilidade o entusiasmo que os dois transmitiam no processo criativo e a inteligência emocional com a qual se ajudavam na escalada ao estrelato. A vontade de expandir seus limites e ‘passar em Hollywood’, como dizia a música ‘Coisa de cinema’, só não era maior do que a de ter conquistado o mundo ao lado um do outro. E, na sua simplicidade, Nosso sonho faz jus a esse sentimento.