Filho de um capitão do exército britânico com uma jovem jamaicana da vila de Nine Mile, Robert Nesta Marley – posterior ‘Bob Marley’ – estaria completando 79 anos em 2024. O chamado ‘rei do reggae’, conhecido pela devoção ao movimento rastafári, virou um dos maiores ícones da música mundial, ao lado de sua banda, The Wailers. Figura política importante também na promoção da paz e união de grupos de seu país, ele chegou a ser alvo de um grave atentado em 1976 por causa de seus apoios – e é a partir desse evento que Bob Marley: One Love, em cartaz nos cinemas, escolhe retratar a sua vida.

Dirigido e escrito por Reinaldo Marcus Green (King Richard: Criando campeãs), o longa prioriza os cinco anos finais do cantor que, após quase ser assassinato junto com sua esposa Rita Marley, se muda para Londres, onde começa as gravações do que viria a ser um dos álbuns mais importantes da sua carreira, ‘Exodus’. De volta à Jamaica, o processo de divulgação dos novos trabalhos e os desafios enfrentados com a descoberta de um câncer (que viria a provocar sua morte precoce em 1981, aos 36 anos), estão entre os assuntos tratados.
 
Auxiliado pelo diretor de fotografia Robert Elswit, Reinaldo Marcus Green compõe alguns planos esteticamente interessantes das sequências de palco, sobretudo no uso das cores que remetem tanto à atmosfera da Jamaica quanto à vibração do personagem, mas fãs de cinebiografias musicadas talvez estranhem a falta de intensidade no uso dramático das canções. É um filme que, intencionalmente ou não, acaba refletindo uma energia algo alucinógena inerente à figura retratada. 

Verdade seja dita, os tópicos célebres da biografia de Bob Marley aqui são mais pontuados, mencionados e, por vezes, tangenciados do que propriamente incorporados. É difícil compreender qual a espinha dorsal que o projeto pretende seguir, mesmo com um recorte relativamente curto da história completa. O relacionamento com Rita; a fé rastafári como manancial criativo das canções; o envolvimento político; a comoção popular com sua imagem; a interação com os integrantes da banda; traumas de infância, entre outros, são alguns dos temas de que Bob Marley: One Love tenta dar conta. Na prática, não consegue.
 
Sem dúvida muitos desses tópicos são inseparáveis e o filme toca com naturalidade em alguns deles – especialmente a questão religiosa –, sem cair no excesso de didatismo que assola tantas cinebiografias. A condução das cenas de ensaio tem suficiente simpatia e humanidade para fugir de possíveis caricaturas, o que se deve à interpretação totalmente à vontade de Kingsley Ben-Adir, que não parece fazer esforço na caracterização e, felizmente, contracena com a igualmente carismática Lashana Lynch, no papel de Rita. A atenção dada aos protagonistas, no entanto, não se reflete na forma como o filme lida com os demais integrantes do The Wailers, que entram e saem quase sem registro.
 
Mesmo com esse olhar cheio de naturalidade diante de Bob, é um trabalho que ainda sofre, aí sim, de problemas recorrentes a retratações de grandes artistas cuja produção é mediada pelas próprias famílias. O principal, aqui, é a abordagem branda e comportada no tocante às falhas do biografado – quando surgem potenciais controvérsias, tudo é atenuado pelas resoluções da narrativa tradicional e pelas famigeradas frases motivacionais. Interessa mais a esses longas, portanto, estabelecer uma ideia de herança histórica inspiradora do que propriamente fazer jus à complexidade humana – e, no caso de alguém com a importância e o legado de Bob Marley, material para isso não faltou.