Ingrediente comum a todos os filmes do diretor Julian Schnabel, “No Portal da Eternidade” também mira as agruras interiores de um artista famoso – no caso, o pintor holandês Vincent Van Gogh. A ligação mais forte é com “O Escafandro e a Borboleta” (2007), já que ambos têm formato narrativo muito particular, tentando reproduzir “de dentro” todas as emoções do protagonista.
A história verídica de “O Escafandro e a Borboleta”, sobre o jornalista e escritor Jean-Dominique Bauby, que sofria da Síndrome do Encarceramento, só movimentando o olho esquerdo, tem seu espelho no pintor que não conseguia se comunicar com a sociedade da época (segunda metade do século 19), vivendo um mundo completamente à parte em sua mente criativa, em meio aos seus próprios monstros.
Entre os recursos adotados para nos levar à compreensão dos personagens está o de suprimir certas partes pela visão parcial de Bauby sobre o que o rodeia e da câmera convulsiva que acompanha Van Gogh. No segundo, a experiência é ainda mais radical, com a “loucura” do pintor motivando uma edição mais livre, não-linear, que se satisfaz em mostrar pedaços de situações vividas pelo mestre das tintas.
Schnabel não está interessado no personagem, mas na mente dele, no que ela é capaz de produzir diante das dificuldades que se apresentam. Bauby ficou praticamente incomunicável, inerte, mas foi capaz de expressar o que sentia em sua autobiografia, produzida com muita paciência e persistência, já que o escritor francês só tinha o olho para dizer o que queria.
Orelha
Van Gogh (Willem Dafoe, em grande atuação) tem seu corpo em perfeito funcionamento, mas é como se ele estivesse em desacordo com o cérebro, sem poder controlá-lo, a ponto de cortar a própria orelha.
Cenas como esta não são mostradas, evitando-se os instantes mais conhecidos da vida do pintor. Em seu lugar, entram sequên-cias desconexas e vozes e imagens duplicadas na tentativa de se aproximar à pulsão do artista.
Uma ânsia entendida como loucura, mas que o filme prefere enxergar, muitas vezes, como processo artístico. A impossibilidade de separá-las justifica o desfecho do artista: o reconhecimento pelo trabalho se dá apenas após a sua morte. Muito simbólica é a cena em que seu corpo é velado ao lado de dezenas de quadros, com a morte física se tornando uma espécie de renascimento.
Não muito diferente do que aconteceu com Bauby, que faleceu poucos dias após o lançamento da autobiografia. Neste conjunto, em que podemos adicionar o artista plástico Basquiat, também retratado por Schnabel, o título “No Portal da Eternidade” é muito expressivo para definir os propósitos do realizador, sobre a distância que um artista deve ter de seu tempo para chegar à imortalidade.