Tão logo chamou a atenção do mundo, com o longa vencedor do Oscar, Corra!, o autor do roteiro daquele filme, Jordan Peele, obteve a comparação imediata com Quentin Tarantino. Ainda que reafirme a fonte de inspiração no mestre Alfred Hitchcock, Peele até faz por onde sustentar o comparativo com a nova ficção científica Não! Não olhe! que chega aos cinemas nesta quinta-feira (25/8). A premissa do filme que reencaminha bases do faroeste — traz a forte participação de atores negros e reconfigura papéis a eles reservados, num andar ao estilo de Os oito odiados (assinado por Tarantino). Mas há raízes diferenciadas na trama que mostra os irmãos OJ Haywood (Daniel Kaluuya) e Emerald (Keke Palmer) na tentativa de perpetuar a fama da família deles — os Haywood, que estão fortemente ligados ao desenvolvimento de um rancho no Vale de Santa Clarita (Califórnia).

Além de treinar cavalos, há estrita ligação de OJ e Emerald no ramo da rica indústria de Hollywood. Vizinho ao rancho em que vivem, um decadente parque temático é administrado por Ricky Jupe (Steven Yeun), oportunista ex-ator de tevê traumatizado por um episódio que — narrado com a a grandeza de um mestre da tela como Stanley Kubrick — engrandece o cinema de Peele. Se o parque temático remete à decadência de A última sessão de cinema (1973), Jordan Peele traz no embrião criativo o cinema de reconquista, alardeado pelo astro Sidney Poitier, fundamental ao chamado cinema negro.

Mesmo diretor de Nós (2019), Peele se arvora em remeter o novo filme a Sinais (de M. Night Shyamalan) e a duas produções de Steven Spielberg: Contatos imediatos do terceiro grau (do qual aproveita a imersão sonora) e ET (na icônica cena do toque de dedos). Sem insistir na tecla de conteúdos e choques sociais, Peele deixa que as forças da natureza ajam no novo filme. Junto com uma teoria da conspiração, o aparecimento de objeto voador não identificado traz uma guinada no roteiro do filme. Entram em cena dois personagens capacitados a, com uso de tecnologia, registrar episódios inexplicáveis: o entusiasmado Angel (Brandon Perea) e um cineasta chamado Antlers (Michael Wincott). Depois de uma frustrada tentativa de integrar uma equipe de cinema, os irmãos protagonistas investirão no desvendar de UAPs (Fenômenos aéreos não identificados).

Um elemento é evidente em Não! Não olhe! e diz respeito à coleta e eternização de imagens. Para além do visual que, à luz do dia, crava a existência de uma mansão que lembra a de Terror em Amityville (1982), o filme examina a importância do tataravô do cinema — o zoopraxiscópio, criação no século 19 do fotógrafo britânico Eadweard Muybridge. O por quê da falta de notoriedade de um negro que, indiretamente, participou daquele invento, é parte da discussão de Não! Não olhe!. Dentro do foco central do longa, em que cavalos e um macaco têm forte importância, os personagens, acostumados a domar e amestrar animais, topam com o indomável. O inesperado desponta com o nítido surgimento de um disco voador, bem naquele esquema batido de aventura sci-fi.

A instabilidade para a isolada região californiana terá direito à abrupta queda de energia e à cômica intromissão de sensacionalismo relacionado aos fatos que cercam o filme capaz de adotar ramificação de tema assemelhada à do experimentalismo do ousado diretor Gus van Sant (dos áridos Gerry e Garotos de programa). A perda do controle desperta uma teoria que lembra a percepção de que animais afastados do habitat natural tendem a retornar ao ponto de origem. Numa escolha arriscada, a equipe da designer de produção Ruth de Jong aposta num visual questionável para o Ovini, num misto de plasma e panqueca voadora, e que acopla em si aparatos de uma câmera fotográfica.

Discutindo demarcação de território e captando imagens aterradoras de uma zona de completo caos para os humanos, o longa de Jordan Peele convence. Mas o roteiro (do diretor) fica atrapalhado, ao desprestigiar a elaborada e envolvente trama que cerca o passado de Ricky Jupe (Steven Yeun), testemunha de uma extremada atrocidade que o traumatiza. Se perde, de certo modo, o cineasta que discutiu sadismo e construção de identidade, em Nós, e apelou para um thriller de tirar o norte, em Corra!.