Demorou quatro filmes e 15 anos para que a série cinematográfica Missão: Impossível ganhasse identidade própria. Os três primeiros foram comandados respectivamente por Brian De Palma, John Woo e J. J. Abrams e, evidentemente, cada um possuía um apelo visual e atmosférico distinto: a espionagem maneirista de De Palma, a ação assumidamente brega de Woo e a funcionalidade dramática de Abrams. 
 
A partir do quarto filme, Protocolo fantasma, de Bird Bird, foi estabelecida uma diretriz de orquestração da ação – ao mesmo tempo realista e absurda – e uma metodologia de produção que transforma as loucuras de Tom Cruise no apelo central, mais do que qualquer construção de história ou cronologia. Parceiro de muito tempo do ator, Christopher McQuarrie se tornou o grande responsável por trás das câmeras desde o quinto filme, Nação secreta, e com Efeito fallout, o sexto, fez não apenas o melhor episódio da saga mas um dos grandes filmes de ação da história recente.

Anunciado antes da pandemia e passado por uma produção longa e complicada – que envolveu, entre outras coisas, um arriscado salto de moto de um penhasco na Noruega –, Missão Impossível: Acerto de contas – Parte 1 finalmente entra em cartaz carregando nas costas o peso de várias expectativas acumuladas. A principal diz respeito ao próprio Tom Cruise, o maior astro de cinema de Hollywood hoje em termos da capacidade de vender um filme com a força do seu nome e também na influência que, como produtor, ele exerce sobre todos os departamentos, da criação à promoção. O ator fica mais ousado na elaboração dos stunts a cada filme, o que naturalmente acostuma a plateia a ver a cada vez uma missão mais arriscada. Isso sem contar com o fato de que Tom Cruise acaba de vir do maior sucesso comercial de sua carreira, Top Gun: Maverick.

E a segunda tem a ver com o estado de crise em que Hollywood se encontra, agravado pela pandemia, pelo avanço do streaming e agora também pela greve dos roteiristas. A indústria enfrentou ainda no primeiro semestre uma queda significativa de interesse popular por sagas outrora consideradas garantia de sucesso (sendo The Flash e o quinto Indiana Jones os casos de maior fiasco de bilheteria). Coube a Acerto de contas – Parte 1, portanto, a missão de alta responsabilidade para, novamente, ‘salvar o cinema’ na base desse realismo radical que virou marca de honra da série.

Em ambos os casos as notícias parecem formidáveis. Missão: Impossível 7, justiça seja feita, não tem quantitativamente tantas cenas de ação quanto os três capítulos anteriores, embora conte com uma duração acima das 2 horas e meia. Do ponto de vista prático, porém, a sensação é que ele não para nunca, já que as megalomaníacas set-pieces (a perseguição de carro em Roma, o clímax no trem) compreendem várias cenas menores dentro delas. Os diálogos, às vezes longos, entrecortam a ação criando um esquema de contração e distensão que mantém o olhar do espectador sempre à espera de um rompante, de um grande confronto. E no meio de todo o gigantismo, a aquisição da coadjuvante Grace (Hayley Atwell), cujo tempo em cena é o maior depois do próprio Tom Cruise, é um ponto que devolve à série uma ideia de risco já que ela não possui as mesmas habilidades e destemores do restante da equipe. 

Por mais impressionante que seja ver na tela grande essas insanidades a que a produção da saga se submete, o que torna tudo aqui neste sétimo capítulo ainda mais curioso e até simbólico é testemunhar um ator/personagem fazendo o possível e o impossível para que o concreto, o humano e o real se sobreponham aos algorítimos. Nada é mais atual neste momento do que o temor pela inteligência artificial e, ao incorporar esse tema à trama enquanto abre mão até onde pode dos efeitos digitais gerados por computador, Missão: Impossível 7 é, intencionalmente ou não, um grito de guerra contra a automatização do cinema.