A um mês de completar um ano desde que uma das maiores vozes da história brasileira se foi, entra em cartaz amanhã a aguardada cinebiografia Meu nome é Gal, que recupera alguns dos anos preciosos da vida da cantora baiana e, ao mesmo tempo, retrata um dos períodos mais tensos e brutais que o país já viveu. Encarando de frente uma oportunidade única de personagem – e um desafio colossal – para um ator/atriz, Sophie Charlotte empresta sua expressividade corporal, intensidade dramática e sua voz – que voz – para dar vida ao canto que representou e representa toda uma nação.

No longa, dirigido por Dandara Ferreira (responsável também por um documentário sobre a artista) e por Lô Politi, o público conhece Gal Costa – então Maria da Graça – aos 20 anos, quando se muda para o Rio de Janeiro e começa a desabrochar a timidez e a crescer na música, ao lado dos amigos Caetano (Rodrigo Lelis), Gil (Dan Ferreira), Dedé (Camila Márdila) e Bethânia (Dandara Ferreira). Grupo formador da Tropicália, movimento que encontrava no seu inconformismo com a opressão do regime militar uma forma de se expressar musicalmente, esses artistas ajudaram Gal a transformar sua introspecção na poderosa voz que eternizou algumas das mais emblemáticas canções de todos os tempos. A descoberta da força dessa voz vem com o ônus da responsabilidade por carregar nas costas o peso simbólico das letras e a cantora, durante o período da ditadura, teve de enfrentar o perigo permanente que iam além dos tanques nas ruas – assistindo, no processo, a seus amigos serem presos e exilados.  

Através de uma linguagem intimista, câmera na mão quase sempre colada no rosto da protagonista, e de uma profundidade de campo reduzida que transforma tudo em uma experiência cheia de subjetividade o onirismo, Meu nome é Gal explora com competência o lado reservado da artista e a espontaneidade com que começa a se soltar por meio do canto, ainda que tenha dificuldade em aprofundar os conflitos internos. Frequentemente parece que o filme fica na dúvida entre mergulhar na proposta íntima e pessoal ou fazer o passo a passo histórico convencional, o que deixa algumas passagens superficiais.

Na sua interpretação de Gal, no entanto, Sophie Charlotte foge do modelo caricatural de cinebiografia e, a despeito das diferenças consideráveis de fisionomia, se funde com notável naturalidade ao espírito da personagem. É particularmente admirável que ela coloque à disposição do filme também sua voz, que funciona mais como homenagem à cantora do que como uma maneira de competição.

“Eu não queria não estar ali, queria que a Sophie estivesse presente naquela personagem, porque é minha homenagem também. As pessoas já têm muito registro de mim na tela, seria impossível apagar esse conhecimento. Então, eu queria que essa fosse a nossa Gal e a gente se divertiu muito no processo. Foi a melhor experiência da minha vida”, afirma Sophie ao Viver.

“A gente está falando de uma artista que teve muitas vivências ao longo de várias épocas. O recorte foi pensado desde sempre como uma forma de mostrar essa transformação de Gracinha em Gal Costa, porque tudo o que vem depois é a consolidação dela nesse lugar de artista. Era um entendimento nosso falar da Tropicália, um dos mais importantes movimentos da nossa cultura, e que jamais poderia faltar nessa história”, explica Dandara.

“É um roteiro movimentado pelos conflitos internos, então queríamos uma câmera que respira com a Gal, que a gente, através do corpo, do andar dela, percebesse as transformações sem que precisassem ser faladas. É uma câmera que ensaiou junto da turma e acaba sendo quem está mais próximo dela durante o filme”, destaca Lô Politi.