Filme foi vencedor do Leão de Prata de melhor direção em Veneza
SÃO PAULO. “Custódia” é um daqueles filmes em que o que não é contado é tão – ou mais – importante do que aquilo que é. O filme começa com uma audiência de custódia, em que as advogadas de Miriam (Léa Drucker) e Antoine Besson (Denis Ménochet) apresentam os argumentos de cada parte, e uma carta do garoto Julien (Thomas Gioria) afirmando que não deseja encontrar o pai é lida. São pontos de vista unilaterais, e há claramente muita informação, toda uma história, que não é dita ali. E a decisão tomada pela juíza diz mais dela – e do sistema legal como um todo – do que do caso em si.
A partir daí, Xavier Legrand – ator francês fazendo excelente estreia na direção – vai gradualmente introduzindo as peças que completam esse quebra-cabeça. E ele faz questão de que cada uma delas seja apresentada no momento certo. Porque, mais do que indicar a real história do longa, elas fazem o espectador refletir sobre as conclusões precipitadas que pode ter feito até ali – e as consequências catastróficas que elas podem ter na vida real.
E à medida que seu mosaico vai ficando mais claro, “Custódia” se revela na verdade um filme de monstro. Um monstro real, que pode ser seu tio, seu vizinho, seu namorado ou seu irmão. E quanto menos você souber de antemão sobre os rumos que a história toma, mais vai ser consumido e envolvido pela angústia do suspense construído por Legrand.
Porque a força motriz do longa é querer saber mais – ver aquilo que está fora do quadro para confirmar suas suspeitas. E é por isso que a câmera da diretora de fotografia Nathalie Durand não se move. Para fazer com que o espectador se sinta preso e encurralado naquelas situações, como os personagens, e para obrigá-lo a fazer escolhas morais com base naquilo que lhe é dado na tela, e nada mais – escolhas que dizem tanto de quem nós somos quanto da realidade retratada no filme.
E o suspense de “Custódia” surge exatamente do fato de que, assim como os personagens no longa, o público pode esperar demais para tomar essa decisão. É isso que faz com que a sequência final sejam os 15 minutos mais desesperadores do ano no cinema, com o monstro finalmente vindo à tona em toda sua virulência e magnitude.
Mas por mais que a montagem paralela seja executada à perfeição para acabar com as unhas do espectador, o controle e a competência da direção de Legrand se confirmam nos momentos mais silenciosos, do não-dito. O melhor deles é o close em Josephine (Mathilde Auneveux), filha mais velha de Miriam e Antoine, quando ela canta “Rolling on the River” em seu aniversário de 18 anos. A expressão de pânico e desespero da garota, de verdadeiro terror, enquanto ela tenta fingir que está tudo bem acaba com qualquer dúvida que o público ainda possa ter sobre a história daquela família.
É nessa expressão dos filhos que o filme registra o impacto de sua trama – especialmente do pequeno Julien, com o ótimo Gioria partindo o coração como um garoto sofrendo ao tentar assumir as responsabilidades de uma situação causada por adultos incompetentes no seu trabalho como pais. Drucker transmite a inércia aterrorizada de uma mulher que deixou a situação chegar àquele ponto. E Ménochet é uma escalação perfeita, tanto por suas dimensões ameaçadoras quanto pela ambiguidade de seu olhar.
Impecável até o último plano, em que questiona o próprio voyeurismo do espectador e se ele está fazendo algo a respeito, “Custódia” é disparado o favorito na competição Novos Diretores da Mostra de São Paulo. Só não leva se o júri oficial achar desnecessário pelo filme já ter ganhado o mesmo prêmio no último Festival de Veneza – de onde também saiu, merecidamente, com o Leão de Prata de melhor direção na competitiva oficial.
O repórter viajou a convite da Mostra de São Paulo