Daniel Oliveira interpreta o famoso lutador em '10 Segundos para Vencer'

Durante processo de composição do personagem Kid Jofre, que interpreta em “10 Segundos para Vencer”, de José Alvarenga Jr., filme que estreia nacionalmente nesta quitna-feira (27), o ator Osmar Prado recorreu a máximas que, proferidas por duas personalidades em realidades e contextos temporais distintos, ressaltam, em seu bojo, a importância de se manter acesa a chama da ternura.

Como o nome do personagem já entrega, o filme se debruça sobre a trajetória de Éder Jofre, o icônico paulistano que inscreveu seu nome nas páginas do boxe mundial e que aqui é interpretado pelo mineiro Daniel Oliveira. Hoje, aos 82 anos, o Galinho de Ouro da vida real conseguiu o feito de, em 81 combates, ter conquistado nada menos que 75 vitórias, quatro empates e só duas derrotas.

O filme “10 Segundos para Vencer” coloca em repasse a vida do garoto pobre que, mesmo fascinado pelo universo do pugilismo, com o qual conviveu desde cedo, por conta do pai, treinador, sonhava em seguir carreira no desenho. Por várias contingências, acabou, no entanto, cravando o “x” nos ringues, tendo seu genitor como treinador – uma relação que se pavimentava pelo rigor que o treino de um lutador (ou de um atleta, numa perspectiva mais ampla) exige, o que, na narrativa fílmica, pode soar, para o espectador, quase como um sinônimo de tortura.

Mas é aí que entra a palavra salientada por Osmar Prado na entrevista ao Magazine: a ternura. E também as duas máximas às quais o início desta matéria fez alusão – no caso, ditas por Ernesto Che Guevara e Plínio Marcos. “Quando Che, por exemplo, fala a célebre frase ‘hay que endurecer-se, pero sin perder la ternura jamás’, ele se referia, claro, à guerrilha, e o boxe é outro universo. Mas, nele, o treinador evidentemente tem que ser uma pessoa dura – porque a luta não é travada só no ringue! Começa antes, e não há a menor possibilidade de uma pessoa se tornar campeã se não tiver essa disciplina férrea. Isso pode torná-la, à luz de quem não está dentro do processo, uma pessoa desumana. Então, a minha responsabilidade, ali, era provar que, por trás daquilo (da rotina de treinamento), havia muita ternura e muito amor”.

Prado cita especificamente uma fala de seu personagem ao filho, antes de uma luta decisiva. “Ele diz algo como: ‘Hoje você não é você. Hoje, você é um país. Então, além do condicionamento físico, esse treinador, pai, tem que dar a seu lutador um suporte psicológico. Ou seja, não é uma dureza de um torturador, que sente prazer na tortura. Ele (Kid) sofre junto, mas sabe que, se assim não fizer, não terá o resultado esperado”.

Entrega ao papel. E a fala de Plínio Marcos nesta história? “Bem, vou dizer com minhas palavras, dando pinceladas no que ele disse, que, claro, foi mais bonito: ‘Por mais duros que sejam os corações em decorrência das lutas diárias pela sobrevivência, sempre haverá, nestes, um pouco de ternura e sensibilidade. E cabe aos atores, com seus personagens e atuações, fazer aflorá-las. Mas o ator tem que ter a consciência de que precisa servir ao personagem, e não servir-se dele”, pontua Prado, que, vale dizer, por sua atuação recebeu o Kikito de melhor ator no Festival de Gramado.

“Quando fui convidado, me debrucei sobre as lutas do Éder e, ao assisti-las, passei a ver o Kid interagindo no canto do ringue, sua movimentação. Temos o mesmo biotipo, e, então, fiz uma espécie de transferência: me reportei à infância, quando meu pai desaprovou a minha escolha (de ser ator) por medo. Como Kid, era de uma geração de pessoas sofridas, mas sei que, no fundo, meu pai me amava. E fui buscar essa ternura dele”.

Linear, filme cumpre bem seu objetivo

Tendo feito a opção por uma narrativa praticamente linear, Alvarenga Jr. realiza, em “10 Segundos para Vencer”, uma bela homenagem a um ícone do esporte nacional, que despontou em uma era na qual o país respirava os ventos da vitória na Copa do Mundo de 1958.

Além da belíssima atuação de Osmar Prado (que, vale ressaltar, se utiliza muito do olhar para expressar os sentimentos de seu personagem), Daniel Oliveira marca outro ponto em sua carreira, embora o restante do elenco – a destacar Sandra Corveloni, como a mãe do atleta – igualmente faça bonito.

Como a fita trabalha o viés humano do personagem – e, em particular, sua relação com o genitor –, não existe, aqui, o risco de o espectador pouco enfronhado ao universo do boxe se entediar. E, por fim, ressalte-se o uso acertado de imagens originais de arquivo, bem como o apuro estético que resulta em cenas para ficarem impressas na retina.