Estados como Paraíba e Ceará têm marcado presença em festivais dentro e fora do país com um cinema autoral forte

Com linguagens diversas, experimentos estéticos e inovações narrativas, o cinema do Nordeste tem se reinventado ao longo das décadas, firmando um polo audiovisual que surpreende pela pluralidade. Da Paraíba, por exemplo, têm vindo filmes como “Sol Alegria”, de Tavinho e Mariah Teixeira, e “Beiço de Estrada”, de Eliezér Rolim, que rodaram mostras no Brasil e no exterior no ano passado.

Neste ano, outros dois longas paraibanos estão sendo exibidos em festivais. “Desvio”, de Arthur Lins, que teve estreia na Mostra de Cinema de Tiradentes, na semana passada; e “A Noite Amarela”, de Ramon Porto Mota, exibido no Festival Internacional de Cinema de Roterdã. Ambos trazem histórias de ficção que envolvem suspense e contemplam uma cena adolescente/jovem.

Segundo Arthur Lins, a produção na Paraíba tem acompanhado o núcleo crescente de cursos de cinema por lá. Com um número grande de realizadores, maior é a vontade de consolidar a indústria cinematográfica. “É uma produção que tem crescido por causa de uma militância por editais”, diz o diretor.

Para Lins, a pluralidade do cinema não só na Paraíba, mas no Nordeste todo, é fruto de uma interação com outras manifestações artísticas. “A gente está conversando sempre com profissionais do teatro e de outras artes.” O cineasta também destaca a vontade de mostrar um Nordeste contemporâneo. Em seu “Desvio”, o ambiente é a cena do punk rock, do hard core do sertão. “Não é negar a identidade, mas mostrar outros cenários regionais”, afirma o paraibano.

Invenção e guerrilha

O diretor e produtor Guto Parente, do Ceará, também destaca a importância deste intercâmbio artístico e da coletividade, que gera uma efervescência grande de ideias. “Há 13 anos, quando comecei, a ideia de fazer cinema no Ceará era bem louca”, fala Parente. “Nós, cinéfilos, começamos a pensar meios de fazer cinema sem muito recurso. A ideia era experimentar, e conseguimos fazer muita coisa com o Alumbramento (coletivo cearense de audiovisual), que pensou formas de realizar filmes”, conta.

Segundo Parente, essa é uma característica do cinema no Ceará. “Mesmo com o surgimento de maior fomento, por meio de editais, existe esse espírito de construção de cinema que a gente inventou”, diz Parente. “Não aprendemos como se faz cinema a partir de um estudo formal e acadêmico, mas na prática”. O filme “Inferninho”, de Parente e Pedro Diógenes, traz essa informalidade em sua essência, e nasceu de uma criação coletiva com o grupo teatral Bagaceira.

Ticiana Lima é sócia de Parente na produtora Tardo Filmes. Para ela, essa reinvenção constante na forma de ver o cinema vem do olhar não focado na educação formal. “Fortaleza tem cursos tradicionais, mas nasceu de outras aberturas”, explica. “Ficar restrito a professores da academia, restringe. Há uma galera experimentando outras coisas e linguagens”.

Para a cineasta cearense Sabina Colares, o Nordeste tem uma luta em prol do cinema. “Essa militância é muito guerreira”, afirma. “Tudo no Nordeste, desde o primeiro instituto até hoje, com a universidade, foi algo conquistado pelos realizadores e cinéfilos. Não foi dado pelo Estado ou pela prefeitura. Isso cria um cinema próprio, potente, que só tem a crescer”, afirma Sabina, que dirige “Currais”, docudrama sobre os campos de concentração no Ceará nos anos 30, com David Aguiar.

Produção foge do lugar-comum

O cinema nordestino contemporâneo vem tentando quebrar os signos aos quais o espectador está acostumado. “Acho que o cinema nordestino está numa fase bem feliz com filmes como ‘Inferninho’, e ‘Sol Alegria’. São filmes experimentais, que trabalham com transgressão de linguagem do cinema e é fantástico, pois é o contrário do estereótipo que as pessoas esperam”, fala o pernambucano Jean Santos, diretor de “Superpina: Gostoso É Quando a Gente Faz”. Segundo ele, tem surgido em Pernambuco pessoas com novas ideias, e destaca também o cinema que vem da periferia. “Esses jovens trazem histórias e temas que estão distantes de uma pessoa de classe mais alta. São temas que a elite nem pensaria em abordar”, diz. “Tenho visto muitas coisas boas acontecendo na tela, filmes mais ousados e voos mais altos”, conclui Santos.

Fomento

Mecanismo. Os cineastas e produtores são unânimes em afirmar que, como o Nordeste tem formado profissionais de qualidade, é preciso lutar por editais para não brecar esse crescimento da produção audiovisual.