Os dois têm consciência de que qualquer passo em falso poderá resultar em morte. Não só na deles próprios, mas na de 1,6 mil britânicos que estão na linha de frente contra a Alemanha na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
1917, que estreia nesta quinta-feira (23) no Brasil, é um imenso labirinto imagético que enche os olhos. Desde que venceu dois dos principais prêmios do Globo de Ouro no início deste mês – melhor filme em drama e melhor diretor –, a produção deu início a uma escalada na atual temporada de prêmios que poderá culminar com o Oscar, no próximo dia 9 de fevereiro.
 
O longa concorre à estatueta em 10 categorias. No sábado passado (18), 1917 venceu o maior prêmio do Sindicato dos Produtores de Hollywood (PGA), que, em 30 anos, coincidiu 21 vezes com a escolha de melhor filme no Oscar.

Mendes, que tem uma estatueta da Academia de Hollywood como melhor diretor (por Beleza americana, também eleito o melhor longa em 2000), já afirmou mais de uma vez que 1917 foi sua “melhor experiência da vida profissional”. É um projeto bastante pessoal. Seu roteiro foi inspirado nas histórias que o avô do cineasta Alfred H. Mendes contou do front.
 
 
Aos 19 anos e medindo apenas 1,62m, Alfred Mendes – conhecido como Alfy, o mais velho de seis irmãos de uma família portuguesa –, foi escolhido como mensageiro. A névoa que cobria a chamada Terra de Ninguém – território não reivindicado entre as trincheiras dos Aliados e dos inimigos, que nenhum dos lados atravessava por medo de ser atacado – ficava a cerca de 1,68m de altura. Sendo assim, uma pessoa de baixa estatura poderia transportar mensagens com menos risco.
 
Deliberadamente, o diretor escolheu dois atores pouco conhecidos – Dean-Charles Chapman era não mais do que um garoto quando fez Tommen na série Game of thrones. É seu personagem, Blake, que recebe a missão de um superior – Schofield, por azar estava com ele na hora. 
 
Os personagens são ficcionais. Os dois têm poucas horas para fazer o impossível: atravessar o território inimigo e avisar a um grupo de 1,6 mil soldados que eles devem recuar e não atacar o inimigo alemão. A Alemanha teria feito uma armadilha – caso entrem na linha de combate, os britânicos serão destroçados.
 
PARTICIPAÇÕES 
 
Nos papéis de superiores estão grandes rostos do cinema britânico, em participações que duram poucos minutos. Colin Firth é o general Erinmore, que entrega a missão a Blake com uma certa dose de manipulação – avisa que o irmão do jovem, o tenente Joseph Blake (Richard Madden, também revelado em GoT), está no grupo que poderá morrer caso não receba a mensagem. Benedict Cumberbatch é o coronel MacKenzie, que deve receber a mensagem. No meio do caminho, ainda há o capitão Smith (participação de Mark Strong).
 
“Ele não foi filmado com uma tomada só, mas com uma série de tomadas longas sem cortes que puderam ser ligadas de uma forma natural que dá a impressão de ser uma tomada contínua”, explicou o diretor. Para realizar o feito – algo semelhante foi concretizado por Alejandro González Iñárritu no vencedor do Oscar Birdman (2014) e, de forma pioneira, por Alfred Hitchcock em Festim diabólico (1948) –, o diretor fez um intenso planejamento, que levou meses, em que as cenas eram coreografadas.
 
Ao lado do diretor de fotografia Roger Deakins (também indicado ao Ocar) e utilizando câmeras de 360 graus, Mendes rodou no Sudoeste da Inglaterra. Foram cavados cerca de 760 metros de trincheiras, para tornar o cenário o mais realista possível.
 
É uma imersão em que o espectador se sente como parte da missão de Schofield e Blake, acompanhando, ora com tensão, ora com angústia, a missão dos jovens. Há momentos acachapantes, quando, por exemplo, a luz do sol aparece (o filme quase todo foi rodado com o tempo nublado, algo necessário, pois muito sol poderia trazer sombras que seriam um problema para manter a continuidade na hora da montagem). A luz solar vai trazer ainda mais urgência à trama, pois ela marca o início de um novo dia e o fim do período em que a mensagem deve ser entregue.
 
A visualidade de 1917 merece ser acompanhada na sala do cinema – e Mendes, em seu discurso no Globo de Ouro, pediu ao público para assistir ao longa dessa maneira. Numa edição em que se acirra a discussão entre estúdios de cinema versus streaming, o prêmio de melhor filme para 1917 seria uma grande vitória. Mas de uma batalha, não da guerra.
 

Diretor proibiu os atores de ver clássicos de guerra

Universal/Divulgação
(foto: Universal/Divulgação)
Dean-Charles Chapman tornou-se conhecido como Tommen na série Game of thrones. George MacKay foi um dos filhos de Viggo Mortensen em Capitão Fantástico. Ambos fazem agora Blake e Will em 1917, o épico de guerra de Sam Mendes.
 
“Quando fizemos a audição, sabíamos apenas que era um filme de guerra, mas não as particularidades da produção, que seria filmado num único plano contínuo. E só depois descobrimos que seria um projeto muito pessoal de Sam. Não era só mais um filme, era 'o' filme”, disse Chapman.
 
Game of thrones já era pródigo em cenas de combates, as crônicas do gelo e do fogo, mas aqui não existem fantásticos dragões lançando suas chamas. “Oh, não. O que temos é o horror da trincheira, recriado com todos os detalhes, e quando você está correndo no campo de batalha, com fumaça, explosões e estilhaços, e a cena se estende, e você não ouve nunca o 'corta!', a coisa fica muito real e assustadora”, afirma MacKay.
 
Começa com um soldado descansando à sombra de uma árvore. O repouso do guerreiro. É chamado para uma missão – em dupla com um companheiro. Terão de atravessar a guerra para levar uma mensagem lá do outro lado. O caminho é permeado de perigo.
 
“É um filme sobre o tempo”, define MacKay, “e o fato de ter sido filmado num plano só reforça essa sensação, esse sentimento. No cinema, a gente sempre trabalha com tempo e espaço para criar alguma coisa, talvez uma ilusão, mas nunca com essa intensidade”, reforça Chapman.
 
LEITURA 
 
“Tivemos uma extensa preparação e ela envolveu muita leitura, muita conversa, mas Sam nos proibia de ver clássicos de guerra, porque queria criar sua visão, e não queria que nos contaminássemos com a visão de outros diretores”, contam. Sobre a preparação, não apenas a questão emocional, mas também a física foram exigentes, conforme conta Chapman.

Universal/Divulgação
(foto: Universal/Divulgação)

“Foi realmente uma longa preparação. Seis meses antes que começássemos a filmar. Cada cena, mesmo a mais simples, envolve sempre uma coreografia entre os atores e a câmera, e sempre em externas, seja um campo aberto, uma correnteza de rio, uma floresta ou as ruínas provocadas pelo bombardeio. A primeira semana foi inesquecível. A gente caminhava durante horas no meio do nada, apenas George, Sam e eu, com as cópias do roteiro na mão, dizendo as frases e ouvindo do diretor o que ele pretendia fazer, e esperava que fizéssemos.”
 
E MacKay acrescenta: “Em todo filme, a dimensão do cenário e a colocação da câmera são importantes, mas nesse, mais que nunca. Devido à coreografia, nós e a câmera, sempre em movimento, mesmo em cenas de puro diálogo, repetíamos 100 vezes para que o tempo e o espaço fossem perfeitamente definidos e mensurados. Nada poderia dar errado, porque senão todo o esforço estaria perdido”.
 
Foram vários planos-sequência compondo esse movimento contínuo. “Poderíamos falar sobre a questão da câmera, mas o importante é tentar passar o que foram esses seis meses para a gente. Estávamos ali, no meio do nada, e aí começaram a cavar as trincheiras, a produzir o lamaçal, passamos a ensaiar com uniformes, com as armas, vieram os figurantes, as explosões e, finalmente, a câmera. E, de repente, 'ação!', estávamos no meio do que parecia uma guerra de verdade.” (Estadão Conteúdo)