'Reversão sexual' ocorreu após retirada de trecho que não possui genes

Cientistas do Reino Unido transformaram camundongos machos em fêmeas depois de retirarem fragmentos de DNA do código genético deles. Os animais desenvolveram ovários e genitália feminina em vez da anatomia masculina mais convencional: testículos e pênis. O resultado está publicado na edição desta sexta-feira do periódico científico “Science”.

A equipe do Instituto Francis Crick, em Londres, mostrou que poderia reverter o sexo de ratos machos, excluindo um pedaço de DNA chamado potenciador 13 ou Enh13. Ele aumenta os níveis do gene SOX9 no momento certo para o organismo produzir testículos. Quando foi retirado do código genético, os ratos machos desenvolveram ovários.

A surpresa para os cientistas, entretanto, é que a parte do material genético retirada não possuía genes – pertence ao grupo de 98% códigos do DNA que não produzem proteínas. Eles não esperavam que uma mudança nesse tipo de material pudesse servir como gatilho para uma alteração tão radical no sexo dos animais.

De acordo com os pesquisadores, o estudo poderia explicar, por exemplo, porque pessoas com cromossomos XY, que não apresentam DNA semelhante, podem desenvolver órgãos sexuais femininos. Os machos normalmente nascem com cromossomos X e Y, enquanto as fêmeas têm dois X.

“Acreditamos que Enh13 é provavelmente relevante para os transtornos humanos do desenvolvimento sexual e poderia ser usado para ajudar a diagnosticar alguns desses casos”, disse Robin Lovell-Badge, geneticista que liderou a pesquisa ao site do jornal britânico “The Guardian”. Os cientistas dizem que pelo menos metade dos distúrbios de desenvolvimento sexual observados em humanos tem causas genéticas inexplicáveis.

“Mesmo que não haja uma solução imediata, isso pode ajudar os pacientes a aceitar sua condição e ajudar os médicos a decidirem a melhor maneira de administrá-la. No entanto, é o entendimento de como os genes são regulados que podem, em última análise, ter o maior benefício”, disse.

“À medida que aprendemos mais, podemos ser capazes de desenvolver maneiras de modular a atividade dos genes para resolver uma ampla gama de problemas clínicos, e não apenas aqueles que afetam o desenvolvimento dos testículos ou dos ovários”, pontuou Lovell-Badge.

Transtornos

Conceito. Nos distúrbios do desenvolvimento sexual, o desenvolvimento do sexo cromossômico, gonadal (gônadas são glândulas do aparelho reprodutivo) ou anatômico é atípico.

Geneticista destaca possibilidade de avanços em terapia

O médico geneticista Ciro Martinhago explica que os casos de distúrbios do desenvolvimento sexual envolvem crianças que apresentam alterações com genitália ambígua no nascimento – que não é claramente masculina nem feminina –, o que é chamado de intersexualidade.

“Todo ser humano é programado para ser mulher. A partir do desenvolvimento embrionário (sexta ou sétima semana de gestação), se a proteína SOX9 – codificada por um gene localizado no cromossomo Y, responsável pelo desenvolvimento de testículos – está presente em quantidade insuficiente, o feto será mulher”, diz. Ele explica que, quando há desarmonia no processo, acontece a diferenciação sexual. “Estima-se que as anormalidades ocorram uma vez a cada 20 mil nascimentos”, diz.

Para Martinhago, o experimento do Reino Unido oferece um avanço positivo às pessoas que têm distúrbios. “Isso vai permitir que ajamos antes dos 2 anos, época considerada ideal para definir qual será o gênero sexual da criança, já que é nessa fase que ela cria a sua identificação”, defende.

O médico infectologista Dirceu Greco, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, diz que, sob o ponto de vista ético, não há problema algum em se desenvolver esse tipo de experimento em animais. “Se, em algum momento, porém, ele ultrapassar a esfera que separa os animais dos seres humanos, todo cuidado deverá existir. Antes, muitas perguntas e dúvidas devem ser respondidas, já que se trata de um assunto delicado”, alerta.

Flash

Sorte. “Esta é a localização de uma região que era uma agulha em um palheiro”, diz Vincent Harley, geneticista molecular do Instituto Hudson de Pesquisa Médica em Clayton, na Austrália, que não esteve envolvido no novo estudo. “(O interruptor) parece que sozinho é capaz de fazer o trabalho” de fazer um homem.