O Brasil que chega a este 7 de setembro oscila em um mar de incertezas. Uma nação tensa pela possibilidade defendida por muitos militantes do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de aproveitar os atos de apoio ao chefe do Executivo federal para forçar uma ruptura institucional, com “fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso”. Um país atemorizado pela presença de policiais armados como manifestantes e de eventuais paralisações de caminhoneiros ou de conflitos violentos entre fiéis bolsonaristas e opositores – que também anunciaram protestos. Um país, pelo lado dos bolsonaristas, esperançoso de que atos de grandes proporções em Brasília e em São Paulo, neste feriado da Independência, sejam o início do fortalecimento de um governo que vem colhendo derrotas no Judiciário e no Legislativo, nem que seja às custas das instituições democráticas.


Bolsonaristas mais moderados acreditam estar gestando uma “Nova Independência”, na qual seria possível mostrar ao sistema que o presidente Bolsonaro tem apoio popular – desmentindo o que indicam as pesquisas de opinião. Integrantes da oposição, por sua vez, temem violência e avaliam, em alguns casos, tratar-se de um antecedente de um possível golpe.

A mobilização em Brasília começou bem antes do previsto. No intuito de evitar desordem, a Polícia Militar do DF havia fechado a Esplanada dos Ministérios para o trânsito desde a noite de domingo (5/9), mas cedeu à pressão de manifestantes na noite de ontem e abriu a via para uma carreata de caminhões e ônibus que trouxeram milhares de pessoas para a capital.

O combinado era que esses veículos dariam apenas uma volta pela via, mas eles foram estacionados nas seis faixas e centenas de pedestres começaram a ocupar a região com barracas e sacos de dormir, antecipando o ato. Alguns manifestantes chegaram a arrancar grades da barreira montada em frente ao Congresso, mas foram interrompidos por PMs e por colegas militantes.

A presença precoce de milhares de pessoas na Esplanada coloca em xeque a estratégia da PM. A corporação pretendia revistar todo mundo que entrasse na Esplanada nesta terça e impedir a presença de veículos – e de armas.


Eixos de apoio ao presidente


Os atos pró-governo contam com apoio de evangélicos, ruralistas, caminhoneiros e até de policiais militares. Setores mais radicais do bolsonarismo têm solicitado que o presidente Jair Bolsonaro, por ser o comandante supremo das Forças Armadas, tome medidas mais drásticas contra seus antagonistas. Na Esplanada, na noite de ontem, já havia profusão de cartazes com pedidos desse tipo, apesar de a pauta oficial das manifestações ser a “liberdade de expressão”.

Nas últimas semanas, bolsonaristas foram alvo de mandados de busca e apreensão e de prisão, requeridos pela Procuradoria-Geral da República e autorizados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, devido ao extremismo adotado durante a convocação das manifestações.
 
A Polícia Federal (PF) prendeu, no fim da tarde de segunda-feira (6/9), o ex-policial militar Cássio Rodrigues Costa Souza, de Minas Gerais. Ele foi preso após ter publicado nas redes sociais, na sexta-feira (3/9), uma ameaça a Moraes. “Terça-feira [7 de setembro] vamos te matar e matar toda a sua família, seu vagabundo”, escreveu no Twitter o ex-militar, que depois apagou a postagem.

Recentemente, também foram alvo de mandados o caminhoneiro Marcos Antônio Pereira Gomes, conhecido como “Zé Trovão”, que está foragido; o cantor sertanejo Sérgio Reis; o blogueiro cearense Wellington Macedo de Souza; e o presidente do PTB, Roberto Jefferson; dentre outros.

O que esperar de hoje?


O diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, aposta haver uma considerável possibilidade de episódios de violência nesta terça. Ele diz que o cenário é imponderável e que qualquer faísca pode levar a uma guerra aberta. “Todas [as capitais] têm cenários de contingência. É torcer pra que funcionem e que não aconteçam depredações”, afirma.

“Os comandos estão preparados. Ninguém vai ser pego de surpresa, mas todos sabem que têm um desafio. É como fazer policiamento de torcida de futebol, saber que o confronto está sendo pensado. Então, é ir pra administrar grupo que quer brigar com outro”, continua, em conversa com o Metrópoles.

Discurso inflamado


A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), uma das parlamentares mais alinhadas ao presidente Bolsonaro, afirma que o ato tem por objetivo demonstrar que o povo brasileiro está “unido pela liberdade e pelos valores da Constituição”. Ela sustenta que não está indo para a rua para provocar baderna ou infringir qualquer lei.


“Será um sinal claro aos Poderes de que a população não está passiva e não permitirá arroubos autoritários em nosso país. Queremos mostrar à mídia, aos Poderes e ao mundo de que lado o povo brasileiro está: o lado da verdade, da liberdade e da Constituição Federal. […] Esperamos que aqueles que ultrapassaram as quatro linhas da Constituição possam escutar a voz das ruas. A expectativa é que todas as ações que aviltaram a Constituição Federal sejam revistas e que possamos continuar nossa agenda de reconstrução do país”, afirmou, em mensagem ao Metrópoles.


O deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP), ex-bolsonarista, afirma, por sua vez, que a manifestação se tornou “criminosa e antidemocrática” a partir do momento em que um dos apoiadores, preso na segunda-feira (6/9) pela Polícia Federal, afirmou que um empresário estaria oferecendo dinheiro pela “cabeça” do ministro do STF Alexandre de Moraes, e bolsonaristas passaram a exigir insistentemente o fechamento da Suprema Corte e do Congresso.


“Os riscos são os mais variados. Estamos lidando com pessoas extremamente radicais, ideológicas, covardes, acostumadas a agredir mulheres e a imprensa. Então, pode acontecer de tudo. […] Estamos falando de um governo afogado em corrupção, que tenta agora, de alguma forma, mostrar que o povo está com ele. Mas quem está com ele é, na verdade, o bolsonarismo. Ele não conseguiu furar o teto dessa bolha”, dispara o parlamentar paulista, em áudio ao Metrópoles.


O cientista político Eduardo Grin, do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo (CEAPG) da FGV, diz que o ato se mostra mais uma estratégia do presidente Bolsonaro para manter a “tropa unida”.


“Toda vez que alguma questão concreta o afeta, ou o governo dele ou a família dele, o presidente desvia a atenção e cria fatos. Daqui a uma ou duas semanas, ele vai criar um outro fato, pois ele precisa manter essa tropa organizada, e não tem outro caminho. Se sai disso, não tem a mínima chance de chegar ao segundo turno”, avalia o especialista.

Grin afirma também que, apesar da apreensão gerada em torno do ato, não há “clima” para ruptura institucional, uma vez que ele não tem apoio da imprensa nem da maioria da população, tampouco de organismos internacionais. Isso não quer dizer, contudo, que Bolsonaro não esteja enfraquecendo a democracia, na opinião do especialista.


“Bolsonaro estará jogando, nesta terça, mais fichas no jogo, mais gasolina no fogo, porque ele não tem mais alternativa. Imagina um presidente recuado nessa hora?”, prossegue o Grin.

Por outro lado, o cientista político Ricardo Caldas, professor da Universidade de Brasília (UnB), diz não ver nenhuma ameaça concreta à democracia no ato desta terça-feira, mas, sim, uma queda de braço entre o governo e a oposição, uma disputa de retórica.

“Não vejo escalada autoritária. O que vejo é o governo mostrando a sua agenda. O presidente Jair Bolsonaro foi eleito dentro de um modelo populista. Isso é baseado na reação direta do líder com a base. Então, a essência do governo Bolsonaro é essa mobilização. Ele é um fim em si mesmo, para negociar com os adversários e trazer pessoas para a base do governo”, conta.

“As coisas estão dentro da democracia. Até o pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes foi totalmente feito dentro das normas previstas no Senado. E, da mesma forma, o presidente do Senado rejeitou o pedido. Quer uma prova maior de funcionamento da democracia do que isso? Então, entendo que ele quer mostrar que ele tem apoio popular e que os institutos de pesquisas não estão mostrando a verdadeira situação política do país”, prossegue Caldas.


O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello disse esperar “temperança, compreensão e entendimento” do presidente Jair Bolsonaro durante e após as manifestações marcadas para esta terça-feira.

“Espero [de Bolsonaro] temperança, compreensão e entendimento para se trabalhar ao povo brasileiro. Nós temos de presumir o que normalmente ocorre. É suficiente para nos preocupar a crise de saúde e a crise social; não precisamos de crise política. Espero que ele, que tem mais um ano e meio de mandato pela frente, simplesmente trabalhe e faça o melhor para o Brasil”, assinalou o magistrado, em conversa com o Metrópoles.

Por fim, Marco Aurélio criticou o Inquérito das Fake News, ao classificá-lo como “natimorto”, e pontuou que a “corda foi muita esticada, e foi esticada de ambos os lados. Penso que o Judiciário também esticou a corda”.

Dissidentes


Plinio Dias, presidente do Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas (CNTRC), garante que a entidade não está envolvida na organização de atos e que a categoria não é obrigada a apoiar as manifestações.


“Não estamos apoiando isso porque não é pauta dos caminhoneiros. Isso é uma ação popular e vai quem quiser”, explicou.

Denilson Campos Neves, fundador do movimento Policiais Antifascismo, salienta que está “apreensivo” com a realização e a repercussão dos atos.

“Os lugares que provavelmente terão movimentos mais radicais são Brasília e São Paulo”, pondera. Ele reforça. “Nada que vá romper o tecido democrático a ponto de ter um golpe”, sinaliza.

O policial reclama da ameaça de punição por parte de governadores. Segundo ele, ao menos nove estados indicaram penalidades para agentes militares que participarem dos atos. “Isso inibiu a categoria”, frisa.