Um ano após o massacre de 33 presos na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, na zona rural de Boa Vista (RR), o inquérito que investiga o caso não foi concluído pela Delegacia Geral de Homicídios (DGH). O massacre é o terceiro maior da história do país.
Os 33 presos foram mortos na madrugada do dia 6 de janeiro de 2017, dentro da maior unidade prisional de Roraima. Para a Polícia Civil, o massacre foi causado por disputas de controle da penitenciária entre duas facções que atuam no tráfico de drogas no Brasil.
De acordo com o delegado responsável pelo caso, Cristiano Camapum, a "lei do silêncio" imposta a envolvidos, sobreviventes e testemunhas, é o maior obstáculo enfrentado pela investigação, porque eles temem represálias caso falem com a polícia.
Camapum diz que não há previsão para a conclusão dos trabalhos. "É uma organização criminosa, então é difícil achar quem queira falar".
O inquérito foi instaurado em 17 de janeiro de 2017. Para o delegado, "quanto mais tempo passar, melhor para a investigação".
"As pessoas vão perdendo o medo de falar, e começam a aparecer testemunhas. No último mês, a investigação andou mais que nos últimos nove meses. Geralmente, em um caso de homicídio, o interessante é investigar rapidamente, porque [do contrário] você perde provas. Este caso é diferente", afirma o delegado.
Segundo o delegado, 10 mandantes já foram indiciados, e 30 executores, identificados. Nenhum dos presos ouvidos confessou os crimes.
A polícia investiga, ainda, a participação de presos de fora de Roraima que teriam emitido a ordem para a execução, mas nenhum deles foi identificado, de acordo com a DGH.
Ainda conforme Camapum, cada um dos identificados deve responder pelo homicídio qualificado de 33 pessoas e por ser integrante de organização criminosa. Somadas as penas, pode chegar a quase mil anos de reclusão para cada um dos envolvidos.
Mais de 40 pessoas já foram ouvidas no decorrer das investigações. Após a conclusão do inquérito e denúncia do Ministério Público, o caso deve ir a júri popular, diz o delegado.
Prazo
O inquérito deveria ser concluído neste mês, mas Camapum afirmou que irá solicitar a extensão do prazo à Justiça, que pode chegar a 90 dias. "O inquérito não tem prazo para acabar. Enquanto eu tiver provas, vou indiciar. É uma investigação que dificilmente se encerra, somente com os prazos prescricionais", afirmou.
Segundo o delegado, o massacre foi "mais um passo deles [facção criminosa] tentando controlar o presídio". A maioria das vítimas eram "bandidos perigosos" que faziam parte de uma facção criminosa rival. Outros morreram porque tinham dívidas de drogas ou tinham se recusado a entrar na organização criminosa autora do massacre.
Os corpos foram encontrados dilacerados e, em razão da forma como os crimes foram executados, Camapum explicou que não será possível determinar a conduta com relação a cada vítima. Entretanto, todos os envolvidos serão responsabilizados pelos homicídios.
"É uma apuração genérica. Apuramos determinados fatos que vinculam a participação e como o crime de homicídio tem essa peculiaridade que não importa se você deu uma facada ou dez, se você ajudou a matar o crime é o mesmo. Só vai afetar a quantidade de pena".
Relatórios apontam motivos do massacre
À época do massacre, o governo de Roraima informou que os presos mortos não pertenciam a nenhuma facção. A Divisão de Inteligência e Captura (Dicap), órgão da Secretaria de Justiça e Cidadania, afirmou que, naquele dia, apenas detentos ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa de São Paulo, estavam na penitenciária.
Em outubro de 2016, presos ligados ao Comando Vermelho, facção do Rio de Janeiro, foram transferidos da penitenciária para a Cadeia Pública de Boa Vista. A separação dos grupos rivais ocorreu após um confronto que resultou na morte de 10 presos dentro da penitenciária agrícola. A transferência foi autorizada pela Vara de Execuções Penais, segundo a Sejuc.
"Não tinha nenhum integrante do Comando Vermelho, naquela ocasião [do massacre], dentro da penitenciária [de Monte Cristo]. A motivação das mortes foram outras, e eles utilizaram esse pretexto da guerra das facções. Até porque, após as mortes de 2016, os presos começaram a declarar que organização faziam parte e eles foram separados", explicou Roney Cruz, chefe da Dicap.
Relatórios de inteligência da Dicap apontam dois possíveis motivos para os crimes. O primeiro seria a criação de um novo grupo criminoso, já que os mortos estariam descontentes com a facção que atua dentro da penitenciária.
"Outro motivo seria a dívida de drogas que traficantes tinham com a organização que atua em Monte Cristo. Naquele momento, eles [PCC] conseguiram o que queriam, que era matar quem de alguma forma os desagradava ", disse Cruz.
Atualmente, conforme a Sejuc, os detentos de facções rivais continuam divididos entre a penitenciária e a Cadeia Pública de Boa Vista, na zona Sul da capital. A medida visa evitar novos conflitos entre os presos, segundo Cruz.
Os relatórios da Dicap, embora tenha uma divergência da linha da Polícia Civil, que é a relação dos presos mortos com uma facção rival, também foram encaminhados à Delegacia Geral de Homicídio e são usados nas investigações.
Mortos eram assediados para entrar em facção, dizem famílias
O G1 conversou com a esposa e a mãe de dois dos presos que foram mortos naquela madrugada dentro do presídio. Elas garantem que os parentes não eram integrantes do crime organizado, mas que eram constantemente assediados para aderir ao grupo.
"Meu marido me falava que ficavam chamando ele todo o tempo com um 'livro de regras', para que ele entrasse na facção. Ele sempre dizia que 'só se fosse louco'. A proposta deles era 'boa': falavam que ele teria amparo médico, de advogado, dinheiro todos os dias na conta da esposa. Mas meu marido nunca aceitou, porque tudo tem uma consequência, e se entrasse, só sairia morto", lembrou a esposa de Erismar Duran Barreto, assassinado na ala da cozinha.
A doméstica de 43 anos, que preferiu não se identificar, acredita que a constante recusa influenciou na morte do marido. Erismar aguardava a progressão de regime e, em maio de 2017, iria para o semiaberto, segundo ela.
A dona de casa Maria Iracema Guimarães, de 59 anos, mãe de Clealbert Guimarães, também morto na ala da cozinha, conta uma história semelhante: o filho era chamado com frequência para entrar na facção e era "bem tratado" dentro do presídio.
"Eles deram ventilador, ajeitavam tudo na ala para ele ficar bem. O chefe deles viviam chamando ele para ser 'batizado'. Esses convites aconteciam direto. Como ele era forte, isso chamava atenção de alguma forma. Ele recusava porque era evangélico e porque sabia que se entrasse, não teria mais vida própria", contou.