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Quem pensava que a maior concentração de renda do país estava no eixo Rio-São Paulo enganou-se. O Lago Sul é o epicentro da riqueza no Brasil. Levantamento do economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas (FGV Social), mostra que os abastados da região mais nobre da capital federal embolsam, em média, R$ 23.019 por mês.
E quem acha o valor alto tem nova surpresa ao constatar que, quando se consideram apenas os moradores que declaram Imposto de Renda, a remuneração sobe para R$ 38.460. “Vale lembrar que, no Brasil, 15% das pessoas pagam IR, cerca de 30 milhões de contribuintes”, ressalta Neri. No Lago Sul, são 29.346 habitantes, de acordo com a Companhia de Planejamento (Codeplan).
Quando analisa-se a renda média das capitais do país, Brasília fica na quarta posição, com R$ 2.981, segundo a FGV. Está atrás de Florianópolis (R$ 3.998), Porto Alegre (R$ 3.725) e Vitória (R$ 3.516). Ou seja, no DF, os ricos são muito ricos, mas a grande maioria das pessoas vive com rendimentos bem baixos.
O DF tem Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 215,6 bilhões, o oitavo do país. Além disso, é a oitava unidade federativa menos populosa do Brasil, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Mesmo respondendo por apenas 3,8% do PIB nacional, o motivo de a capital apresentar tantas discrepâncias são as altas rendas dos funcionários públicos — e grande parte deles mora no Lago Sul. “A elite do Judiciário, do Ministério Público, das relações exteriores, da Receita Federal, entre outros. É o que explica essa concentração. A disparidade tende a se agravar no pós-pandemia, já que as pessoas vão sair mais pobres da crise”, destaca Marcelo Neri.
Mesmo antes da pandemia do novo coronavírus, lembra o economista, pelos dados do último trimestre de 2019, os 10% mais ricos no país tinham elevado o patrimônio em 0,8%, enquanto os mais pobres viram a renda minguar em 6,2%. O economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, destaca que relatórios do Banco Mundial, de 2017, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da FGV apresentam informações contundentes sobre as despesas da União com pessoal. Os servidores federais têm, em média, salário 96% maior do que profissionais da iniciativa privada em cargos semelhantes, na mesma área de atuação. A diferença no Brasil entre os salários dos setores público federal e privado é a maior entre os 53 países comparados pelo Banco Mundial. E fica 21% acima da média internacional. O Brasil gasta mais com funcionalismo do que Estados Unidos, Portugal e França.
“O Estado brasileiro é paquidérmico, corporativo, ineficiente e caro. Apesar da carga tributária elevada (35,17% do PIB, em 2019), os serviços, de forma geral — pois há ilhas de excelência — são de péssima qualidade”, assinala o secretário-geral da Associação Contas Abertas. Mas a alta renda também é explicada pela atração de negócios proporcionados pelo governo. “Não são apenas servidores e privilegiados que ganham jetons (gratificações) em conselho fiscais e administrativos. Há, também, empresários, parlamentares e até advogados trabalhistas que enriqueceram defendendo sindicatos, entre outros prestadores de serviço”, explica Castello Branco.
O economista Cesar Bergo, sócio-consultor da Corretora OpenInvest, considera Brasília “um ponto fora da curva” pela forma como foi povoada. “Como o Lago Sul é aprazível, com extensa área verde e muita segurança, acabou sendo o lugar preferido dos ricos empresários de primeira linha, como empreiteiros e donos de hospitais. A desigualdade foi se ampliando com a urbanização de Brasília”, ressalta Bergo. Segundo ele, a concentração da riqueza fica entre as quadras 3 e 13. “Fora dessa faixa, a situação é um pouco diferente”, garante.
A professora Anna Maria Grebot, 60 anos, moradora de uma das quadras no fim do Lago Sul, cita dois tipos de vizinhos mais comuns: os que são muito ricos e os que compraram terrenos à época em que Brasília estava sendo construída, quando o local era vazio, e os preços, mais baixos. A família dela encaixa-se no segundo grupo. “A ideia de região extremamente rica é mais em função das quadras onde ficam ministros, políticos, juízes e outros servidores. Claro que, em geral, as pessoas têm dinheiro, mas essa parte puxa muito os números para cima”, avalia.
Embora reconheça os pontos positivos, como a tranquilidade e o espaço livre, Anna tem críticas ao local onde passou a adolescência e quase toda a vida adulta. Uma das principais é o elitismo que observa em alguns vizinhos. “Defendo a criação de um parque na região da Ponte JK, que tem área verde enorme e poderia ser usada por todos. Mas muitos resistem, dizem que as pessoas vão invadir e estragar a orla, como se o lago não fosse de todos”, lamenta.
Maioria branca e católica
A maioria dos moradores do Lago Sul, local que concentra as maiores rendas per capita do país, são brancos, casados, com escolaridade alta e cristãos, de acordo com a Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan). Na região, 69,5% dos habitantes são brancos; 28,78%, pardos; e 1,49%, pretos. Os dados mostram que 68,6% têm nível superior completo, incluindo especialização, mestrado e doutorado. Dos moradores do Lago Sul, 34,3% nasceram no DF. A maioria dos imigrantes, 50,25%, vem do Sudeste; 20,89%, do Nordeste, 11,72%, do Centro-Oeste; 8,47%, do Sul; e 2,76% do Norte. Em relação à origem, Minas Gerais é o estado mais representativo, com 20,18%. Depois, aparecem Rio de Janeiro (19,12%), Goiás (9,65%) e São Paulo (9,56%).
O que levou a carioca Jane Carol Azevedo, 71 anos, a sair do Rio de Janeiro para morar no Lago Sul, em 1976, foi a perspectiva de encontrar um lugar mais calmo para as crianças. Quando chegou à cidade, com marido e dois filhos pequenos, de seis meses e três anos, não se decepcionou. “O que me atraiu foi a liberdade, o espaço livre. É quase uma cidade do interior, com muito verde e qualidade de vida. Ótimo para famílias”, conta.
Jane foi a segunda de quatro irmãs a mudar-se para a capital. Pouco depois, as outras duas foram morar na mesma quadra do Lago Sul e levaram a mãe. Hoje, além delas, filhos, netos e sobrinhos são vizinhos. O movimento é recorrente: pelos dados da Codeplan, 58,4% dos moradores do Lago Sul chegam a Brasília para acompanhar parentes. Outros 23,75%, à procura de emprego. Os 11,23% restantes, por transferência do local de trabalho.
A maioria dos habitantes do Lago Sul, 46,5%, tem entre 25 e 59 anos. Os idosos são 34%. A população de até 14 anos totaliza 9,2%. Os casados são 50,6%, seguidos pelos solteiros, 31,99%. E 6,93% têm união estável. Viúvos e divorciados representam 5,17% e 3,54%, respectivamente. Só 12,23% dos moradores não têm religião. Pelos números da Codeplan, 72,31% são católicos; 7,57%, evangélicos; 6,66%, espíritas. Entre os habitantes da região, 98% têm automóvel.
Aposentados
No estudo da Codeplan, de 2017, a renda domiciliar média apurada foi de R$ 23.591, e a renda per capita, de R$ 8.117. Os 10% mais ricos absorvem 26,7% da renda, e os 10% de menor poder aquisitivo detêm 12%. Na região, a totalidade das construções é permanente. Dessas, 98,8% são casas: 87,4% dos domicílios são próprios. A maioria dos responsáveis pelos lares, segundo a pesquisa, é de aposentados, 50,6%, seguidos por trabalhadores remunerados, 43,2%.
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Quando analisa-se a renda média das capitais do país, Brasília fica na quarta posição, com R$ 2.981, segundo a FGV. Está atrás de Florianópolis (R$ 3.998), Porto Alegre (R$ 3.725) e Vitória (R$ 3.516). Ou seja, no DF, os ricos são muito ricos, mas a grande maioria das pessoas vive com rendimentos bem baixos.
O DF tem Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 215,6 bilhões, o oitavo do país. Além disso, é a oitava unidade federativa menos populosa do Brasil, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Mesmo respondendo por apenas 3,8% do PIB nacional, o motivo de a capital apresentar tantas discrepâncias são as altas rendas dos funcionários públicos — e grande parte deles mora no Lago Sul. “A elite do Judiciário, do Ministério Público, das relações exteriores, da Receita Federal, entre outros. É o que explica essa concentração. A disparidade tende a se agravar no pós-pandemia, já que as pessoas vão sair mais pobres da crise”, destaca Marcelo Neri.
Mesmo antes da pandemia do novo coronavírus, lembra o economista, pelos dados do último trimestre de 2019, os 10% mais ricos no país tinham elevado o patrimônio em 0,8%, enquanto os mais pobres viram a renda minguar em 6,2%. O economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, destaca que relatórios do Banco Mundial, de 2017, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da FGV apresentam informações contundentes sobre as despesas da União com pessoal. Os servidores federais têm, em média, salário 96% maior do que profissionais da iniciativa privada em cargos semelhantes, na mesma área de atuação. A diferença no Brasil entre os salários dos setores público federal e privado é a maior entre os 53 países comparados pelo Banco Mundial. E fica 21% acima da média internacional. O Brasil gasta mais com funcionalismo do que Estados Unidos, Portugal e França.
“O Estado brasileiro é paquidérmico, corporativo, ineficiente e caro. Apesar da carga tributária elevada (35,17% do PIB, em 2019), os serviços, de forma geral — pois há ilhas de excelência — são de péssima qualidade”, assinala o secretário-geral da Associação Contas Abertas. Mas a alta renda também é explicada pela atração de negócios proporcionados pelo governo. “Não são apenas servidores e privilegiados que ganham jetons (gratificações) em conselho fiscais e administrativos. Há, também, empresários, parlamentares e até advogados trabalhistas que enriqueceram defendendo sindicatos, entre outros prestadores de serviço”, explica Castello Branco.
O economista Cesar Bergo, sócio-consultor da Corretora OpenInvest, considera Brasília “um ponto fora da curva” pela forma como foi povoada. “Como o Lago Sul é aprazível, com extensa área verde e muita segurança, acabou sendo o lugar preferido dos ricos empresários de primeira linha, como empreiteiros e donos de hospitais. A desigualdade foi se ampliando com a urbanização de Brasília”, ressalta Bergo. Segundo ele, a concentração da riqueza fica entre as quadras 3 e 13. “Fora dessa faixa, a situação é um pouco diferente”, garante.
A professora Anna Maria Grebot, 60 anos, moradora de uma das quadras no fim do Lago Sul, cita dois tipos de vizinhos mais comuns: os que são muito ricos e os que compraram terrenos à época em que Brasília estava sendo construída, quando o local era vazio, e os preços, mais baixos. A família dela encaixa-se no segundo grupo. “A ideia de região extremamente rica é mais em função das quadras onde ficam ministros, políticos, juízes e outros servidores. Claro que, em geral, as pessoas têm dinheiro, mas essa parte puxa muito os números para cima”, avalia.
Embora reconheça os pontos positivos, como a tranquilidade e o espaço livre, Anna tem críticas ao local onde passou a adolescência e quase toda a vida adulta. Uma das principais é o elitismo que observa em alguns vizinhos. “Defendo a criação de um parque na região da Ponte JK, que tem área verde enorme e poderia ser usada por todos. Mas muitos resistem, dizem que as pessoas vão invadir e estragar a orla, como se o lago não fosse de todos”, lamenta.
Maioria branca e católica
A maioria dos moradores do Lago Sul, local que concentra as maiores rendas per capita do país, são brancos, casados, com escolaridade alta e cristãos, de acordo com a Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan). Na região, 69,5% dos habitantes são brancos; 28,78%, pardos; e 1,49%, pretos. Os dados mostram que 68,6% têm nível superior completo, incluindo especialização, mestrado e doutorado. Dos moradores do Lago Sul, 34,3% nasceram no DF. A maioria dos imigrantes, 50,25%, vem do Sudeste; 20,89%, do Nordeste, 11,72%, do Centro-Oeste; 8,47%, do Sul; e 2,76% do Norte. Em relação à origem, Minas Gerais é o estado mais representativo, com 20,18%. Depois, aparecem Rio de Janeiro (19,12%), Goiás (9,65%) e São Paulo (9,56%).
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