Luís Adorno e Silvia Ribeiro
Do UOL, em São Paulo e no Rio*
No primeiro final de semana após o anúncio da intervenção federal no Rio de Janeiro, o número de tiroteios e mortos por disparos de armas de fogo na região metropolitana foi maior do que a média registrada nos fins de semana de 2018, segundo levantamento do aplicativo Fogo Cruzado, obtido com exclusividade pelo UOL.
O decreto foi assinado pelo presidente Michel Temer (MDB) na sexta-feira (16)e publicado em uma edição extra do Diário Oficial da União no mesmo dia. O decreto passou a valer desde então, mas o CML (Comando Militar do Leste) informou que as ações da intervenção só devem começar após aprovação do decreto pelo Congresso Nacional.
Entre sexta (16) e o domingo (18), 84 tiroteios e disparos com armas de fogo foram registrados, sendo que a média nos fins de semana do ano foi de 64. No último fim de semana, 17 pessoas morreram e 16 ficaram feridas --a média de mortes e feridos nas sextas, sábados e domingos do ano é de 15, de acordo com o relatório do Fogo Cruzado.
O fim de semana do Carnaval deste ano registrou 46 tiroteios contra 17 no ano passado --um aumento de 170%. Enquanto sete pessoas morreram no mesmo período no ano passado, neste ano houve 11 vítimas de armas de fogo na região metropolitana do Rio.
A Seseg (Secretaria de Segurança Pública) do Rio informou ao UOL que não comenta dados de aplicativos por ter números oficiais da violência, do ISP (Instituto de Segurança Pública). Pelos números do ISP, não há levantamento de tiroteios na cidade. De acordo com relatório do instituto, 2017 foi o ano com mais mortes violentas registradas no Estado nos últimos oito anos.
Maria Isabel MacDowell, doutora em Sociologia e colaboradora do Fogo Cruzado, explica que a plataforma funciona de forma colaborativa.
"Já foram feitos mais de 130 mil downloads do aplicativo. Fazemos uma busca de casos, mas dependemos da mobilização da população, de a população comunicar o que está acontecendo. Isso também depende do acesso que a população tem à internet. Recebemos notificações de tiroteios através do aplicativo, via Twitter e Whatsapp. A gente faz uma moderação dos comunicados. Geralmente, quando há um tiroteio, várias pessoas comunicam o fato", explica ela.
Com isso, Maria Isabel pondera que os dados da plataforma certamente são subnotificados, ou seja, os números podem ser ainda mais alarmantes.
Jungmann e Pezão divergem sobre responsabilidade no RJ
Após a assinatura do decreto, o governo federal informou informou que a intervenção teria "vigência imediata". No entanto, não é o que ocorreu até o momento. O interventor nomeado pelo presidente, o general Walter Braga Netto, ainda não realizou nenhuma ação consequente ao decreto, segundo o CML (Comando Militar do Leste).
O então secretário de Segurança, Roberto Sá, que havia colocado seu cargo à disposição, foi exonerado, conforme publicação do Diário Oficial do Estado desta segunda-feira (19). No lugar dele, não foi anunciado ninguém até o início da tarde desta segunda.
Procurada, a Seseg do Rio informou que, assim que houver uma posição oficial sobre quem assumirá o lugar de Sá, vai informar.
Questionado, o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (MDB) afirmou nesta segunda que a responsabilidade pela segurança do Estado é deleaté a votação na Câmara do Deputados e no Senado --o decreto vai a votação hoje na Câmara.
"Eu e o general Braga Netto já estamos em permanente contato, mas podem cobrar de mim até a votação do decreto", disse ele. "Precisamos de ajuda. Chegamos no limite. Não conseguimos vencer sozinhos a marginalidade. As polícias Civil e Militar não resolvem esse problema sozinhas em lugar nenhum", argumentou Pezão durante a reinauguração da Biblioteca Parque da Rocinha, na zona sul da capital fluminense.
Mas, em Brasília, questionado sobre de quem é hoje a responsabilidade pela segurança pública do Rio, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou ser do presidente da República, Michel Temer, e, consequentemente, do interventor Braga Netto.
"Só nós temos administrativamente [publicado o decreto], acredito que seja o interventor que todos aqui conhecem o nome. Portanto, ele é o responsável administrativamente e institucionalmente pela segurança no Rio de Janeiro", disse.
Criminalidade se mantém
Além dos tiroteios, a violência no final de semana se manteve. Por volta das 9h deste domingo, policiais da UPP Salgueiro, na região da Tijuca, zona norte, foram atacados por criminosos. Segundo a UPP, houve troca de tiros. Ninguém ficou ferido, nem foi preso. Não se sabe a motivação do ataque.
Na noite de sexta-feira, criminosos trocaram tiros com policiais da UPP do Caju, na avenida Brasil, região da zona portuária do Rio. O confronto chegou a provocar o fechamento da via expressa. Com medo, motoristas que acessavam a ponte Rio-Niterói retornaram pela contramão.
Entre sábado e hoje, há relatos nas redes sociais de tiros na Tijuca, no Tabajara, em Quintino, em Jacarepaguá, em Resende, na Cidade de Deus, em Cordovil, Duque de Caxias e Saracuruna. Ao menos três arrastões teriam acontecido na cidade, segundo relatos publicados no Twitter.
Em outro caso de violência, funcionários da Light foram sequestrados, na noite de sexta-feira, em Inhaúma, Campo Grande e Ramos. As equipes foram levadas por criminosos para favelas para que tentassem religar a energia elétrica, que está em falta em regiões do Rio desde quinta-feira (15), quando uma forte chuva atingiu o Rio.
Em nota, a Light informou que nos três casos não houve "desdobramentos para as equipes" e que todos os funcionários foram liberados pelos criminosos em segurança. Alguns locais da cidade chegaram a ficar mais de 70 horas sem energia elétrica.
Ativistas de favelas prometem monitorar intervenção
Organizações não governamentais e ativistas que atuam em favelas e subúrbios da capital fluminense estão se mobilizando para tentar monitorar a ação de forças de segurança durante a intervenção federal na segurança do Estado.
Representantes do Observatório de Favelas, da Redes da Maré e outras entidades se reunirão na terça-feira (20) para discutir como fiscalizar a nova política e tentar evitar eventuais ações violentas contra moradores.
"Estamos criando uma rede de monitoramento dessa intervenção. Queremos criar meios de acompanhar, denunciar, criticar e propor soluções. Precisamos criar um manual de procedimentos e evitar que determinados conflitos ocorram. Vamos usar a experiência que temos de modo a não cair nos mesmos problemas que tivemos do passado", afirmou o geógrafo Jailson de Souza Silva, fundador e diretor de Políticas Urbanas do Observatório de Favelas.
*Colaborou Wellington Ramalhoso, do UOL, em São Paulo