Brasil de Fato - Um relatório divulgado nesta sexta-feira (17) pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro mostra que a maioria das agressões físicas e/ou psicológicas a presos do estado partem de policiais militares. Segundo o documento, agentes da PM respondem a 85,6% dos 1.250 relatos de torturas e maus tratos que chegaram ao Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh).

Apesar de nove em cada dez vítimas afirmarem ser possível identificar os autores e de 35% delas terem sofrido lesões aparentes, somente 20% decidiram adotar medidas administrativas ou judiciais contra o Estado ou quem os agrediu. Os dados fazem parte do segundo relatório da DP-RJ desde a criação do Protocolo de Prevenção e Combate à Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes.

O levantamento também mostra que a grande maioria das vítimas é composta por homens (96%), quase sempre pretos ou pardos (cerca de 80%), mais da metade com idades entre 18 e 40 anos e que não chegaram ao ensino médio (71%).

O relatório, que analisou o perfil das vítimas e as circunstâncias da violência a que foram submetidas, investigou os processos criminais em que esses presos foram réus, com o intuito de identificar se e como, na sentença, os relatos de agressão foram levados em conta.

Justiça


Considerando os processos em que não há menção a agressões nem na audiência de custódia, nem no interrogatório ou na fundamentação da sentença, em 378 (70,8% do total) verificou-se que, em alguns desses momentos, o(a) juiz(a) tomou conhecimento da alegação feita pelo(a) acusado(a).

Desses 378, em 175 a resposta para a pergunta “Se houve agressões físicas/torturas, há lesão aparente?” foi sim, ou seja, 46,3% do total. Desse universo, em 16 há menção da agressão na sentença (9,1%), sendo três de absolvição e 13 de condenação. Isso significa que em cerca de 80% dos casos em que há lesão visível decorrente da agressão denunciada, o juiz sequer menciona a agressão na sentença.

A Defensoria também observou que mesmo nos casos em que há o registro do relato de agressão para ter certeza que de fato o juiz tomou conhecimento dessa ocorrência, o que se percebe é que esse relato vai desaparecendo ao longo do processo e acaba sendo considerado irrelevante para o julgamento, não sendo tomada nenhuma providência mais concreta.

Conforme detalha um trecho do relatório, “Foi verificado se, na fundamentação da sentença, o(a) juiz(a) considera o relato de agressão, tendo sido identificados 28 casos; porém, em praticamente todos, apenas para desqualificar a versão do(a) acusado(a) ou afirmar que o laudo não confirmou as agressões alegadas.

"A pessoa presa em flagrante por tráfico de drogas, ainda que negue a prática do delito ou alegue ter sido submetida a agressões ou tortura no momento da prisão, sofre violações de direitos ao não ter suas afirmações levadas em consideração, na maioria das vezes.  É preciso um grande esforço da defesa para dar credibilidade às denúncias de maus tratos", resume a coordenadora de Defesa Criminal, Lucia Helena de Oliveira.
 
 
Estatísticas


Cerca de 93% de todos os relatos de agressões foram enviados à Defensoria. A maior parte dos registros é anterior a março de 2020, quando, por conta da pandemia da covid-19, as audiências de custódia foram suspensas e os juízes passaram a analisar a prisão em flagrante sem a presença da custodiado, inviabilizando a possibilidade de entrevista privada com o defensor público.

Chutes (477) e socos (438) foram os tipos de agressão mais mencionados pelos presos. As medidas, administrativas ou judiciais, contra os agressores tomadas com o consentimento da vítima ou seu representante legal foram, principalmente, pedido de instauração de investigação (227), ajuizamento de ação indenizatória (185) e representação por falta funcional (155).