Andréa Neves chegando à PF de Belo Horizonte para ser ouvida em novembro de 2018. — Foto: Fernando Zuba/Glo
A Polícia Federal concluiu o inquérito da Operação Escobar nesta quarta-feira (10) e indiciou a irmã do deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG), Andrea Neves, dois escrivães da corporação, dois advogados e um empresário por crimes como corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de Justiça. (Veja detalhes abaixo)
Ainda caberá ao Ministério Público definir se abre ou não denúncia contra os indiciados. Caso eles sejam denunciados, a Justiça deverá decidir se aceita ou não a denúncia e os torna réus. Só depois disso que eles poderão ser julgados. As provas contra os servidores da PF foram encaminhadas à Corregedoria Regional da corporação em Minas.
Segundo o inquérito da PF, relatado pelo delegado Rodrigo Morais Fernandes, o empresário Pedro Lourenço recebia informações sigilosas de investigações da corporação a partir de conversas com o advogado Ildeu da Cunha Pereira, que morreu em fevereiro deste ano.
Andrea recebia documentos da corporação obtidos pelo advogado Carlos Alberto Arges, também segundo a investigação. Os vazamentos ocorriam através dos escrivães Márcio Antônio Marra e Paulo Bessa.
De posse dessas informações sigilosas, Andrea e Lourenço se beneficiavam, impedindo ou embaraçando investigações relacionadas a organizações criminosas em que estavam envolvidos ou nas quais tinham interesse direto, segundo o inquérito da PF.
O G1 entrou em contato com Andrea Neves e, por meio de seu advogado, ela disse que "manifesta a sua perplexidade com a finalização precipitada da investigação feita pela autoridade policial que contraria, inclusive, as provas obtidas no próprio inquérito". Pedro Lourenço disse que não foi comunicado oficialmente sobre o indiciamento. Carlos Alberto Arges disse que não há provas "para o injusto e infundado indiciamento".
O G1 não conseguiu o contato com os escrivães Márcio Antônio Marra e Paulo Bessa.
A PF atribuiu aos indiciados os seguintes crimes:
- Andrea Neves: obstrução de Justiça (até 10 anos de prisão)
- Empresário Pedro Lourenço: obstrução de Justiça (até 10 anos de prisão)
- Advogado Ildeu da Cunha Pereira: violação de sigilo funcional, corrupção passiva e corrupção ativa, além dos crimes de integrar organização criminosa e de embaraçar investigação de infração penal que envolva organização criminosa (até 34 anos de prisão)
- Advogado Carlos Alberto Arges - violação de sigilo funcional, corrupção passiva e corrupção ativa, além dos crimes de integrar organização criminosa e de embaraçar investigação de infração penal que envolva organização criminosa (até 34 anos de prisão)
- Escrivão da PF Márcio Antônio Marra - violação de sigilo funcional, corrupção passiva e corrupção ativa, além dos crimes de integrar organização criminosa e de embaraçar investigação de infração penal que envolva organização criminosa (até 34 anos de prisão)
- Escrivão da PF Paulo Bessa - violação de sigilo funcional, corrupção passiva e corrupção ativa, além dos crimes de integrar organização criminosa e de embaraçar investigação de infração penal que envolva organização criminosa (até 34 anos de prisão)
Documentos sigilosos na casa de Andrea
Ildeu, Arges, Marra e Bessa chegaram a ser presos em 2019 durante a deflagração da operação 'Escobar', que apurava justamente o vazamento de informações de inquéritos da PF. Na ocasião, Andrea Neves ainda não era investigada, mas precisou prestar depoimento na condição de testemunha.
A PF havia descoberto os vazamentos ao encontrar documentos sigilosos de investigações na casa de Andrea, ao cumprir mandados de busca e apreensão em outra operação, em dezembro de 2018. As documentações não estavam assinadas e nem numeradas, o que, segundo o inquérito, significa que os arquivos foram extraídos a partir do sistema interno da polícia.
"As informações obtidas foram utilizadas para embaraçar investigações que envolvem organizações criminosas e para captação de clientes por parte dos advogados, eis que o conhecimento privilegiado demonstrava forte influência no âmbito da Polícia Federal de Minas Gerais", diz trecho do inquérito.
A partir dos celulares dos dois advogados indiciados, apreendidos durante a operação de 2018, a PF constatou que eles repassavam informações sigilosas, recebidas através dos dois escrivães da corporação.
Segundo os investigadores, os escrivães indicaram, em outras oportunidades, os advogados Ildeu e Arges para investigados. Em troca, recebiam parte dos honorários.
As investigações também apontam a relação de proximidade e cumplicidade entre Ildeu da Cunha Pereira e Márcio Marra. O advogado chegou a indicar o escrivão da PF para se tornar conselheiro do Cruzeiro, em 2017.
De acordo com a PF, a indicação foi "para que este [Márcio Marra] assumisse a cobiçada e disputada função, o que garante status e influência, além de vantagens frente a outros torcedores, como viajar de graça para assistir jogos fora de Belo Horizonte/MG, frequentar estádios gratuitamente na Tribuna de Honra, franco acesso ao clube, dentre outras".
Os advogados Carlos Alberto Arges Júnior e Ildeu da Cunha Pereira presos durante operação da PF
Foto: OAB/Reprodução
A operação Escobar
A Polícia Federal deflagrou a operação Escobar, em Belo Horizonte, em 5 de junho de 2019. Na ocasião, a PF prendeu os dois advogados e os dois servidores da corporação suspeitos de retirar documentos sigilosos do sistema da própria PF e vazar informações sobre as operações.
Eles estavam sendo investigados pelos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, organização criminosa, obstrução de Justiça e violação de sigilo funcional.
Na ocasião, Andrea Neves foi intimada a depor como testemunha. Ela só passou para a condição de investigada dias depois.
O delegado Rodrigo Morais, responsável pelas investigações. — Foto: Divulgação
A operação Escobar foi um desdobramento da Capitu, quando Ildeu da Cunha Pereira e outras 15 pessoas foram presas em investigação em suposto esquema de corrupção no Ministério da Agricultura durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Na época, o então vice-governador de Minas Gerais, Antonio Andrade (MDB), e o empresário Joesley Batista, dono da JBS, estavam entre os detidos. De acordo com a Polícia Federal, as investigações começaram depois que documentos da Operação Capitu foram encontrados na casa de Andrea Neves, em dezembro de 2018.
Após os documentos terem sido encontrados na casa dela, a PF constatou vazamento de informações sobre outras operações. Os advogados teriam acesso privilegiado às informações e as usavam para oferecer aos clientes facilidades ilegais.
O que dizem os indiciados
O advogado de Andrea Neves, Fábio Tofic Simantob, enviou nota à imprensa em que diz que "manifesta a sua perplexidade com a finalização precipitada da investigação feita pela autoridade policial que contraria, inclusive, as provas obtidas no próprio inquérito".
Leia na íntegra:
"A defesa de Andrea Neves manifesta a sua perplexidade com a finalização precipitada da investigação feita pela autoridade policial que contraria, inclusive, as provas obtidas no próprio inquérito.
Andrea Neves foi chamada a prestar depoimento em julho do ano passado, tendo ficado acertado que prestaria seus esclarecimentos assim que, como determina a Lei, tivesse acesso à integralidade dos documentos relacionados à investigação. Essa nova intimação jamais ocorreu.
As investigações demonstram que Andrea nunca solicitou qualquer documento a quem quer que seja e nunca teve contato com qualquer agente público.
Os documentos que se encontravam em sua residência já tinham o seu conteúdo amplamente divulgado pela imprensa, sendo, portanto, estapafúrdia a hipótese de que poderiam ser usados para qualquer ato de obstrução de justiça.
É preocupante que a autoridade policial faça uma ilação dessa gravidade sem apontar qualquer ato praticado por Andrea que pudesse ser interpretado como obstrução de justiça.
No mais, registre-se a ironia de que um inquérito instaurado para apurar vazamento tenha tido a sua conclusão vazada antes que as partes pudessem ter conhecimento de seu conteúdo."
O advogado Carlos Alberto Arges Júnior disse que, "diferente do que foi relatado pela autoridade policial ao término do inquérito, a verdade é que não existem quaisquer elementos e provas para o injusto e infundado indiciamento, uma vez que durante toda investigação policial nada se apurou em seu desfavor, e nem poderia porque nenhum ilícito foi cometido". Disse ainda que, "por ser advogado devidamente constituído nos inquéritos, teria livre acesso aos documentos tidos como sigilosos e cópias que inclusive já eram de conhecimento público".