Fonte: Agência Brasil

Por: Cristina Indio

Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que 8,27 milhões de brasileiros vivem em áreas de risco em 872 municípios do país. Essas pessoas moram em 2,47 milhões de domicílios. Com o uso de metologia inédita, pesquisadores cruzaram dados do Censo Demográfico de 2010 com informações do Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

“É a primeira vez que se tem um cenário de qual é a população brasileira em áreas de risco”, disse o coordenador de Geografia do IBGE, Cláudio Stenner, à Agência Brasil. A intenção, segundo ele, é gerar uma base de conhecimento que possa contribuir para a adoção de políticas públicas a fim de evitar tragédias decorrentes de desastres naturais. “A expectativa é que, em primeiro lugar, se gere a preservação da vida e, em segundo lugar, uma melhor mitigação dos efeitos em caso de desastre natural.”

O pesquisador afirmou que a pesquisa População em Áreas de Risco no Brasil é o início de uma série histórica que vai ocorrer sempre que houver a publicação do Censo Demográfico. Segundo ele, apesar da informação demográfica, estar distante oito anos, ainda assim, tem um caráter estrutural, porque essa situação não muda tão rapidamente.

“A vantagem desse trabalho é que nos últimos cinco anos passamos desenvolvendo a metodologia e produzindo esses dados. Com o censo de 2020, 22 ou 23, ainda não está fechado o calendário, poderemos dar uma resposta muito mais rápida, com uma atualização maior e comparação com a situação de 2010 do que mudou nessas áreas”, acrescentou.

Destaques

Com a análise de 308 municípios, a Região Sudeste foi a que teve maior número de pessoas em áreas de risco (4,26 milhões), que significam 9,8% da população total dessas cidades avaliadas, com destaque para os estados de São Paulo e de Minas Gerais. São Paulo registrou 1,52 milhão de pessoas, ou seja, 6,8% da população dos municípios monitorados. Minas Gerais somou 1,37 milhão, 14,8% em áreas de risco.

Na outra ponta, a Região Centro-Oeste, que teve 19 municípios monitorados, não ultrapassou o total de 2 mil habitantes em áreas de risco em nenhum deles. A pesquisa indica que havia 7,6 mil habitantes nessas localidades, o que representa 0,3% da população total dos municípios acompanhados.

Stenner chamou a atenção que, entre os municípios, Salvador, com 1,21 milhão de pessoas (45,5% da população total do município) é o que tem maior contingente em área de risco, seguido de São Paulo com 674,3 mil habitantes, mas nesse caso o montante representa 6% da população.

Tragédias

O estudo indicou ainda quantidade elevada de moradores em áreas de risco em alguns municípios que enfrentaram tragédias após impactos decorrentes de deslizamentos causados por tempestades. Na região serrana do Rio, Petrópolis tinha 72 mil (24,4% do total da cidade), Teresópolis 45,7 mil (28%) e Nova Friburgo 33,6 mil (18,5%). Os três enfrentaram enxurradas e inundações em 2011, ano seguinte ao Censo que serve de base para o estudo.

A pesquisa mostra que esse foi o maior desastre natural deste século e causou as mortes de 900 pessoas, atingiu mais de 300 mil em toda a região, além de provocar perdas econômicas avaliadas em R$ 4,8 bilhões, segundo o Banco Mundial com dados de 2012.

“As consequências devastadoras desse evento corroboraram o consenso entre os especialistas de que a magnitude de um desastre está intrinsecamente relacionada à interseção de fenômenos sociais, econômicos e demográficos, entre outros, que contribuem para aumentar a vulnerabilidade e exposição da população aos desastres naturais”, explicou Stenner.

Características sociodemográficas

O estudo analisou ainda características consideradas relevantes associadas ao perfil sociodemográfico da população em áreas de risco. Os pesquisadores consideraram variáveis como as faixas etárias e as condições de acesso a serviços básicos, incluindo abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta de lixo.

Na avaliação da faixa etária verificou-se que as mais vulneráveis a desastres são as crianças e os idosos, que por maior dependência para locomoção e menor capacidade de resistência a ferimentos necessitam de cuidados especiais. No caso das crianças, as menores de 5 anos são as mais vulneráveis e, no dos idosos, os com mais de 60 anos. No total de municípios analisados no Brasil (872), 17,8% dos moradores em áreas de risco eram crianças e idosos, faixas de idade mais vulneráveis.

O pesquisador informou que a Região Norte se destacou pela maior concentração de crianças vivendo em áreas de risco. O estado do Acre teve 19,8%. O Pará e o Amazonas tiveram 19,2% cada um. “Esse é um fenômeno demográfico da realidade dos estados da Região Norte, onde se tem um nível médio de filhos por mulher maior”, observou.

Stenner destacou também que, ao contrário do que se pode pensar, não é apenas a população com pior situação socioeconômica que mora em áreas de risco. “Essa não é uma característica exclusiva. Não é só população em dificuldade econômica que mora em área de risco”, ressaltou ao lembrar que na tragédia da região serrana em 2011 muitos condomínios de moradores de situação econômica mais elevada também foram afetados.

No entanto, o pesquisador acrescentou que no geral o processo de urbanização nas cidades brasileiras ocorreu de forma em que as classes mais favorecidas ocuparam as melhores áreas, enquanto restou para as de pior situação econômica um sítio urbano menos favorável, em encostas e em vales de rios. “Isso que gerou esses números de milhares de pessoas em áreas de risco”, completou.

Pelas características de água, esgoto e coleta de lixo, os pesquisadores puderam fazer a distinção dos tipos de moradias. De acordo com Stenner, novamente a Região Norte aparece em situação menos favorecida nos três requisitos, mas a falta de acesso à rede geral de esgoto ou fossa séptica, considerados formas adequadas de esgotamento, é o fato mais preocupante. A Região Norte chega a 70,7% da população sem esse tipo de serviço. Nos estados do Amapá e do Pará esse percentual chega a 83,7% e 75,5% respectivamente. “O esgotamento sanitário se revela como grande problema nas áreas de risco. É a carência de um destino adequado”, acrescentou Stenner.