Já é noite quando uma multidão de venezuelanos faz uma enorme fila para receber um pão e um copo de leite na praça Simón Bolivar, em Boa Vista. Famintos, eles devoram o alimento doado e depois se deitam no chão para dormir mais uma vez ao relento.
“A vida nas ruas do Brasil ainda é melhor do que continuar na Venezuela, porque aqui tem comida”, diz Luiz Gonzalez, de 36 anos, que chegou ao Brasil há menos de uma semana. Sem dinheiro, assim como muitos outros, ele dorme no chão da praça ocupada por mais de 300 venezuelanos recém-chegados a Roraima.
Essa cena tem se tornado cotidiana na cidade que recebe um número crescente de imigrantes. Já são 40 mil, segundo as contas da Prefeitura de Boa Vista, o que equivale a mais de 10% dos cerca de 330 mil habitantes da capital do estado com menor índice populacional do Brasil.
Os venezuelanos que buscam refúgio em Roraima fogem, principalmente, da fome. Mas não é só isso, eles também querem escapar da severa escassez de remédios, da instabilidade política e de uma inflação galopante de 700% na Venezuela, que corrói a moeda e faz com que cada vez mais pessoas busquem comida no lixo.
A instabilidade política também preocupa. O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, se declarou candidato à reeleição, o que rendeu críticas da comunidade internacional. A Assembleia Nacional Constituinte, ligada a Maduro, decidiu antecipar o pleito, que seria no final de 2018, para antes de 30 de abril. Além disso, em uma decisão que agravou ainda mais a crise, o Tribunal Superior de Justiça recusou o registro de uma chapa que reúne vários partidos de oposição, deixando o caminho livre para a reeleição do presidente.
Mesmo que não sejam precisos, os dados estimam uma realidade inegável. O impacto da imigração é notável por todos os lados. Nas ruas, português e espanhol se misturam e o 'portunhol' se populariza.
Por toda a cidade, há semáforos lotados de venezuelanos segurando placas em que pedem emprego. Outros estão nas portas dos supermercados em busca de comida e milhares dormem nas ruas, principalmente em praças. Os abrigos abertos pelo governo estão superlotados há meses e até 31 imigrantes vivem sob o mesmo teto em casas alugadas.
Na fuga da fome, o fluxo é desordenado e a imigração ocorre até a pé. Há venezuelanos que, sem dinheiro algum para custear passagens de vinda para o Brasil, decidem no auge do desespero caminhar e contar com a sorte de conseguir carona para percorrer os 218 km da BR-174 que separam Pacaraima e Boa Vista.