Ex-agente da Abin conta sobre as experiências de quando era da coordenação geral de contraespionagem
André Soares
Ex-agente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Tenente-Coronel do Exército Brasileiro, Mestre em Operações Militares e autor do livro “Ex-Agente abre a caixa-preta da Abin”
Ameaçado de morte, o ex-agente da Abin conta, em livro, sobre as experiências de quando ele era da coordenação geral de contraespionagem e análise do terrorismo, da Abin, e por que o país está vulnerável e à mercê da observação adversa.
Por que você resolveu se afastar da Abin?
Por ter sido ameaçado de morte pela direção da Abin, ter denunciado as clandestinidades e por ter me recusado a participar da operação Mídia – conduzida pela Abin em 2004, visando espionar jornalistas e donos de meios de comunicação por ordem da Presidência da República (governo Lula). Eu fui condenado à morte pela “comunidade de inteligência”. A partir de então, fui execrado, assediado, perseguido e expulso sumariamente da Abin, mas também do Sistema de Inteligência do Exército (SIEx) e do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin). E, desde então, sou alvo caçado pelas operações instauradas nos serviços secretos brasileiros, por ordem da criminosa “comunidade de inteligência” que os comanda.
O que é essa comunidade?
Os hediondos crimes que são perpetrados contra o Estado brasileiro pela inteligência nacional, como os cometidos pela Abin na operação Satiagraha, em 2008, são comandados por uma “comunidade de inteligência” que é a maior e mais poderosa organização criminosa do Brasil, que está acima do Estado democrático de direito, gozando de total liberdade para cometer seus crimes e na certeza absoluta de que nem sequer serão levados à Justiça. Essa comunidade de inteligência remonta aos militares de ultradireita, remanescentes do extinto e famigerado Serviço Nacional de Informações (SNI), que criaram e disseminaram a criminosa “comunidade de inteligência” por todo o país. Esta, por sua vez, infiltrou-se massivamente nos quadros de outra organização no Brasil: a maçonaria.
O que mais você insiste em denunciar?
Venho denunciando que essa criminosa comunidade de inteligência realiza há décadas, não apenas grampos ilegais, mas também operações clandestinas sistemáticas, tendo como alvos prioritários nossos governantes e as mais caras instituições nacionais, como o Ministério Público (MP) e o Supremo Tribunal Federal (STF), com inevitáveis desdobramentos na operação Lava Jato.
Por que você escreveu um livro abrindo a caixa-preta da Abin?
Todo Estado soberano necessita de uma inteligência eficiente. No caso do Brasil, a Abin, ao contrário, é uma agência cuja ineficiência, além de escabrosa, é também criminosa. É uma estrutura extremamente ineficiente e disfuncional, e por inúmeros motivos. Começando pela disfuncionalidade do diploma legal de sua própria criação (Lei 9.883/1999), bem como sua suposta doutrina oficial de inteligência – que, pasmem, inexiste. Portanto, a Abin, que é o órgão central dos serviços secretos, constitui uma estrutura cancerígena e, por isso, deve ser extirpada urgentemente.
Mexendo nesse vespeiro, não teme por sua integridade?
Sim. Nesse sentido, já me foi sugerido participar do programa de proteção a testemunhas.
O serviço secreto é uma anomalia no ambiente democrático?
Essa é uma perturbadora questão que nunca foi enfrentada seriamente no Brasil, sendo por isso, uma das causas do caos que impera na inteligência nacional. Nos países que praticam um regime verdadeiramente democrático, como, por exemplo, os EUA, os serviços secretos cumprem sua atividade-fim em obediência aos ditames constitucionais e submetidos ao controle absoluto do Estado norte-americano. No Brasil, a Abin constitui uma gravíssima anomalia institucional; exatamente porque está absolutamente fora de controle.
Como é na prática?
O país não tem uma política de inteligência que normatize e legitime as necessidades e missões da inteligência nacional e não possui um Plano Nacional de Inteligência que a operacionalize. Na prática, a atuação da Abin não tem a legitimidade da aprovação do Congresso e, portanto, da sociedade. É orientada ao sabor do personalismo e dos interesses escusos dos governantes.
Como fica o Brasil no cenário mundial?
Uma das tragédias que comprometem a segurança nacional é a completa vulnerabilidade do país ante a ação adversa de serviços secretos estrangeiros. O Brasil está completamente vulnerável à guerra cibernética mundial. Quanto à expertise da inteligência cibernética no país, a Abin e a Sisbin estão na era pré-histórica.