Cerca de 200 famílias improvisaram acampamento com barracas e alimentos doados; elas pedem banheiros químicos e moradia digna.

Por Kleber Tomaz, G1 SP, São Paulo

Parte dos desabrigados que viviam no prédio que pegou fogo e desmoronou no Largo do Paissandu, no Centro de São Paulo, completou uma semana dormindo na rua. Eles cobram da administração pública a imediata instalação de banheiros químicos, além da certeza de que terão uma moradia digna no futuro. A Prefeitura afirmou que não pode instalar banheiros porque as "condições da praça são insalubres".

Famílias ouvidas pela reportagem disseram considerar o valor do auxílio-aluguel pequeno e também não querem ir para abrigos da Prefeitura da capital. Por esse motivo, preferem ficar acampados em barracas de lona instaladas em frente à igreja do Largo do Paissandu, recebendo alimentos doados no local.

Segundo o desabrigado Valtair José de Souza, o Carioca, de 47 anos, cerca de 200 famílias estão acampadas no largo. “Já estamos aqui há sete dias, resistindo, lutando, exercendo nosso direito de democracia, porque nós moramos num país livre”, disse Carioca, que se apresentou ao G1 como um dos coordenadores dos desabrigados. “Ninguém escuta nossa voz”, acrescentou.

A Secretaria Municipal da Habitação disse, na noite de segunda, que 116 famílias cadastradas do prédio que desabou começam a ser chamadas nesta terça-feira (8) para a retirada do benefício. Outras 94 famílias de prédios interditados vão receber o auxílio aluguel em até cinco dias úteis, a partir do cadastro, enquanto durar a interdição, de acordo com a pasta.

A Prefeitura informou que por meio de parceria do Poupatempo com as secretarias municipais de Habitação e de Saúde, "estão sendo realizados cadastros para benefícios habitacionais, emissão de documentos pessoais e atendimento básico de saúde às famílias cadastradas". Segundo a Prefeitura, a pasta da Habitação já negociava com os moradores a saída pacífica do imóvel. "Essa interlocução foi mantida para o cadastramento dos desabrigados", diz o Executivo local em nota.

'Não vamos sair daqui'

Segundo Valtair José de Souza, a meta é seguir na rua até haver uma solução por parte das autoridades. “Pode cair relâmpago e até meteoro, mas nós não vamos sair daqui. Nós queremos sair daqui a partir do momento em que as autoridades sentarem com os representantes de moradia e venham trazer, colocar uma proposta que seja aceita por todas as famílias. Não só desse movimento, mas de todos os movimentos”, disse Carioca, que afirmou só estar ali para ajudar.

De acordo com moradores que tiveram de deixar o prédio às pressas durante o incêndio, eles pagavam até R$ 400 de aluguel ao Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM). Os coordenadores, que deixaram o local após o fogo, negaram essas declarações à Polícia Civil.

Carioca autorizou o G1 a ultrapassar a grade de ferro que separa os moradores do prédio dos moradores de rua, que já dormiam há anos na praça. Acompanhado dele, a reportagem ouviu os desabrigados e os problemas que enfrentaram na última semana.

Abrigos

Desabrigados ouvidos pela reportagem na segunda-feira (7) disseram não querer dormir provisoriamente nos abrigos públicos sob a alegação de que serão esquecidos pela administração, além de se queixarem da falta de higiene num dos locais.

“Minha filha está até chorando querendo tomar banho e eles estão tratando a gente mal”, disse Katia de Oliveira, enquanto segurava a menina no colo.

Ela contou que foi com mais outras quatro crianças a um abrigo do Viaduto Pedroso, também no Centro, mas voltou à praça após encontrar banheiros sujos e sem condições de uso.

“O banheiro lá está uma merda. Tudo podre, o chão não é limpo. O atendimento está uma porcaria no abrigo Pedroso”, disse Katia, que contou com a ajuda da avó das crianças para cuidar da higiene das crianças. “Estou com cinco crianças. As outras crianças não estão aqui porque minha mãe foi levá-los para tomar banho em outro lugar.”

Por meio de nota, a assessoria de imprensa da Prefeitura informou que os serviços de limpeza no abrigo do Viaduto Pedroso "serão reforçados".

Katia de Oliveira também falou que a falta de banheiros químicos para os desabrigados está causando doenças nos menores. “As crianças ficando doente, com virose, com diarreia, dor de cabeça. E cadê o atendimento digno para nós? Não tem. Estão tratando nós que nem bicho, que nem animal aqui. É isso o que eles estão fazendo.”

Sujeira

Dentro do acampamento, a sujeira, gerada principalmente pelos restos de alimentos, é recolhida em sacos plásticos de lixo doados por lojistas da Galeria do Rock e até por bombeiros. Mesmo assim, o cheiro de urina do lado de fora da grade, onde dormem pessoas em situação de rua, causa mal-estar em quem passa pela praça.

Desabrigados dormem perto de lixo no Largo do Paissandu (Foto: Kleber Tomaz/G1)

Desabrigados dormem perto de lixo no Largo do Paissandu (Foto: Kleber Tomaz/G1)

Diariamente, o local amanhece repleto de pilhas de papéis sujos. Nesta segunda, apenas uma funcionária da varrição pública limpava a praça. Na tentativa de manter o local mais limpo, desabrigados pegam em vassouras e ajudam.

Há também a presença constante de ratos, principalmente durante a noite. A reportagem do G1 contou 12 roedores bem perto do acampamento, sendo que quatro deles saíram de um mesmo bueiro.

Enquanto mostrava no celular as fotos do banheiro sujo do abrigo Pedroso, o desabrigado José Antonio, de 48 anos, cobrava uma providência da Prefeitura. “Nós somos morador. Perdemos um bocado de família aqui. Até agora, por que não mandaram um banheiro químico para a gente?”

De acordo com os desabrigados, os banheiros químicos que têm no local, e ficam atrás da igreja, são isolados e exclusivos para bombeiros e outros agentes que trabalham nas buscas por desaparecidos. Na tentativa de remediar o problema, donos de bares estão deixando os moradores do prédio usar os banheiros dos estabelecimentos.

Auxílio aluguel e moradia

As preocupações da desabrigada Jéssica Matos, 20, no acampamento do ‘Prédio de Vidro’, como o edifício que caiu era conhecido, são: chuva, auxílio-aluguel e moradia.

“Estou com minha mãe e minha irmãzinha especial de 13 anos”, disse a ambulante. “Se chover, a gente está com medo de molhar aqui. Por isso, o que nós estamos querendo é moradia.”

Jessica Matos no acampamento formado no Largo do Paissandu (Foto: Kleber Tomaz/G1)Jessica Matos no acampamento formado no Largo do Paissandu (Foto: Kleber Tomaz/G1)

Jessica Matos no acampamento formado no Largo do Paissandu (Foto: Kleber Tomaz/G1)

Jéssica afirmou que o valor do auxílio-aluguel não dá para pagar um imóvel para ela, a mãe e a irmã. “A única coisa que eu ouvi dizer é que eles estão querendo dar uma bolsa aluguel, de R$ 1.200 no primeiro mês, mas o resto dá R$ 400. Só que a gente tem escola aqui no centro. É uma vida aqui. Mesmo a gente perdendo tudo, tem escola, tem trabalho. Não tem como pagar um aluguel barato aqui no Centro. Porque aqui no Centro aluguel barato só para rapaz sozinho, não é para mulher com criança, com família.”

A assessoria de imprensa da Prefeitura informou que "o auxílio definido na Portaria nº 131/15 – SEHAB tem a função de complementar a renda do beneficiário para que ele consiga alugar uma moradia".

Solidariedade

A repercussão do desabamento do prédio levou a solidariedade de desconhecidos dos desabrigados ao Largo do Paissandu. Artistas, capoeiristas, cozinheiros e, mais recentemente, cabelereiros foram levar suas habilidades para confortar a dor de quem perdeu tudo.

“O negócio é querer ajudar sem querer nada em troca. Já fui ajudado, agora estamos ajudando as pessoas. Fazendo a nossa parte”, disse Tiago, de 32 anos, que saiu da Zona Leste para cortar os cabelos das crianças desabrigadas.

Cabeleireiros cortam cabelos de crianças desabrigadas no Largo do Paissandu (Foto: Kleber Tomaz/G1)

Cabeleireiros cortam cabelos de crianças desabrigadas no Largo do Paissandu (Foto: Kleber Tomaz/G1)

Outro abnegado é o desempregado Antonio da Paz. Conhecido por usar roupas com as cores verde e amarela da bandeira nacional, disse que outro problema vivido pelos desabrigados é a concorrência com pessoas que não moravam no prédio.

“Na hora que eles veem chegar uma cesta básica, e vêm entrando aqui dentro [da área destinada aos desabrigados]. Precisa todo mundo fazer um cordão, porque, senão, é saqueado que nem já saquearam até barracas”, disse.

Cozinha improvisada em acampamento no Largo do Paissandu (Foto: Kleber Tomaz/G1)

Cozinha improvisada em acampamento no Largo do Paissandu (Foto: Kleber Tomaz/G1)

Na quinta-feira (3), o G1 flagrou um bate-boca entre desabrigados e moradores de rua. Por segurança, os desabrigados passaram a usar fitas para se diferenciar das demais pessoas que fingiam morar no edifício para conseguir benefícios da Prefeitura.

Na sexta-feira (4), os moradores do prédio decidiram construir uma oca de bambu para armazenar roupas e calçados que recebiam de doações. A reportagem também notou a presença de outras pessoas que disseram não ter morado no prédio, mas estão no local em busca de moradia.

Duas mortes

Na manhã desta terça-feira (8), o Corpo de Bombeiros localizou um segundo corpo nos escombros do edifício que desabou. Pelo porte, seria de uma criança. Entre os sete desaparecidos na tragédia, há duas, mas a identidade da segunda vítima não foi confirmada até a última atualização desta reportagem.

A primeira vítima identificada é Ricardo Pinheiro, conhecido como Tatuagem, que estava sendo resgatado quando o edifício desabou.

Arte mostra o prédio incendiado e as outras construções interditadas por falta de segurança no Centro de SP (Foto: Foto: Alexandre Mauro, Wagner M. Paula, Igor Estrella e Roberta Jaworski/G1) P)

Arte mostra o prédio incendiado e as outras construções interditadas por falta de segurança no Centro de SP (Foto: Foto: Alexandre Mauro, Wagner M. Paula, Igor Estrella e Roberta Jaworski/G1) P)