JUDICIALIZAÇÃO


Com cerca de 40 pessoas do clube infectadas por Covid-19, o Flamengo tentou, judicialmente, adiar a partida contra o Palmeiras no fim de setembro. Mas não conseguiu. Várias escolas também entraram com ações para retomarem as aulas presenciais. Ainda não existem estatísticas consolidadas sobre o volume de novos processos que engrossaram o Judiciário durante a pandemia, mas, na avaliação de advogados, a demanda pela Justiça está cada vez maior e a tendência é aumentar.

“O pós-pandemia indica que o Brasil vai enfrentar uma enxurrada de ações. Nós já temos hoje cerca de 80 milhões de processos tramitando, para 18 mil juízes. E entendemos que as ações relativas ao funcionamento das empresas, à contratação de funcionários e a tantas outras questões relativas ao mercado de trabalho e ao desemprego deverão ser enfrentadas pelo Poder Judiciário”, afirma a presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Renata Gil. 

Na avaliação da advogada criminalista e professora universitária Virgínia Afonso, o crescimento da judicialização no Brasil é preocupante. “O que se nota é que o Judiciário tem sido chamado a interferir cada vez mais nas políticas públicas que, na verdade, são de competência do Poder Executivo”, observa a advogada. Na opinião dela, se uma prefeitura estabelece medidas de restrições sanitárias para o fechamento de escolas ou bares, por exemplo, a decisão tem que ser dela. 


“O chefe do Executivo foi eleito pelo povo e tem a legitimidade democrática do voto. Os eleitores elegem os titulares para que definam as políticas públicas. Na medida em que o Judiciário interfere, enfraquece a própria legitimidade de suas decisões”, analisa Virgínia. 


O professor de direito do Centro Universitário UNA Allan Milagres destaca que os cenários da judicialização do direito e dos conflitos não são novidades e têm até um aspecto positivo, uma vez que indica que a sociedade tem buscado seus direitos. Entretanto, o aumento de ações e o tempo de duração dos processos podem agravar o congestionamento do Judiciário no pós-pandemia e, portanto, o melhor caminho é tentar soluções mais conciliadoras, para não abarrotar a Justiça. 


“A mim preocupam as ações judiciais reprimidas no período da pandemia e posterior. As pessoas, em especial aquelas que estão realizando algum tipo de contrato, mais do que nunca, deverão buscar formas adequadas de resolução de conflitos, como soluções administrativas, conciliação e mediação”, diz Milagres.


Na avaliação do advogado, o caminho é deixar o Judiciário como última opção. “Com o aumento das demandas judiciais novas em comparação com a baixa finalização dos casos judiciais antigos, o congestionamento das ações judiciais é uma realidade e uma tendência”, afirma.

Conciliação é o melhor caminho

O secretário geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Valter Shuenquener, afirma que, seja na área empresarial, nas relações de consumo ou trabalhistas, a pandemia vai gerar um aumento expressivo de litígios e ajuizamento de ações. “A maior preocupação do Judiciário é que isso não comprometa a qualidade da prestação jurisdicional. É preciso, portanto, que se haja um esforço, não só do Poder Judiciário, mas de toda a sociedade, de se buscar um ambiente de mediação”, ressalta o Shuenquener. 


Para o secretário geral do CNJ, a conciliação é o caminho para evitar o uso indiscriminado do Poder Judiciário. “Eu imagino que haverá aumento dos conflitos na Justiça do Trabalho e nas relações de consumo, com viagens aéreas canceladas e hotéis que se recusaram a fazer restituições, por exemplo. Tudo isso vai gerar uma procura maior pelo Poder Judiciário, mas eu tenho certeza de que ele vai responder à altura”, ressalta. 


Além da conciliação, Shuenquener destaca a busca de alternativas por meio da aposta em tecnologia, para conferir mais celeridade aos processos e conseguir um achatamento da curva de ações judiciais no pós-pandemia. 

Pedidos de recuperação judicial vão disparar

No dia 9 de abril, a Prefeitura de Belo Horizonte publicou decreto determinando o fechamento de todas as atividades não essenciais. Um novo decreto autorizando a reabertura gradual de lojas, bares e restaurantes só veio cinco meses depois. Segundo o especialista em direito empresarial Charles Fernando Vieira, os reflexos serão sentidos no aumento das ações de recuperação judicial. 


“Com certeza, em virtude do coronavírus e da obrigatoriedade de as empresas terem tido que ficar fechadas por tanto tempo, teremos um aumento dos pedidos de recuperação judicial. Esse é um remédio para que elas consigam se restabelecer financeiramente”, diz o advogado. A Lei 11.101, de 2005, trouxe a possibilidade de suspensão temporária do pagamento de dívidas para aquelas empresas que, apesar de dificuldades, ainda têm viabilidade econômica.