Brasil247 - A Associação Juízes para a Democracia (AJD) reagiu a uma declaração do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que, na segunda-feira (1), em palestra na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), definiu tomada de poder dos militares em 1964 como um 'movimento'. “Não foi um golpe nem uma revolução. Me refiro a movimento de 1964. Hoje, afirmo isso graças ao ensinamento do ministro da Justiça, Torquato Jardim”, disse.
De acordo com a AJD, "o golpe militar de 1964 não pode ser classificado como um simples 'movimento', sob pena de apagamento e naturalização da política de tortura, morte e perseguição institucionalizada pelo Estado Brasileiro contra seus cidadãos – muitos deles cujos corpos até hoje não foram localizados".
Durante a palestra, Toffoli disse: "Não foi um golpe nem uma revolução. Me refiro a movimento de 1964. Hoje, afirmo isso graças ao ensinamento do ministro da Justiça, Torquato Jardim".
"Amparada na convicção de que cabe ao Poder Judiciário a garantia do cumprimento irrestrito da Constituição Federal, a Associação Juízes para a Democracia (AJD) clama pela responsabilidade das autoridades competentes, assegurando que as urnas representem a vontade livre e soberana do povo, sem quaisquer interferências, a fim de que o Estado Democrático de Direito não sucumba frente a interesses absolutamente desvinculados da nação. Repudia-se, ainda, toda e qualquer tentativa de minimização do regime de exceção vigente no Brasil entre os anos de 1964 e 1985, fundado na imposição de um Estado ilegítimo forjado na força bruta, no medo e no silêncio de seus opositores", diz a entidade.
Leia a íntegra da nota:
A DEFESA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO COMO NORTE DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO
A ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA (AJD), entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem por finalidade estatutária o respeito absoluto e incondicional aos valores próprios do Estado Democrático de Direito, vem, diante da crise político-institucional instaurada e diariamente agravada no cenário nacional, bem como da proximidade das eleições, manifestar-se nos seguintes termos:
1 – O processo de redemocratização do país que culminou na promulgação da Constituição Federal em 1988, além de romper com o regime ditatorial até então vigente, significou importante avanço na criação e no fortalecimento de instituições do Estado cuja atuação deve ser essencialmente voltada à promoção de direitos, sobretudo das camadas marginalizadas e vulneráveis, tais como a Defensoria Pública e o Ministério Público. Mais que isso, ao prever extenso rol de direitos e garantias fundamentais intrínsecos à condição humana, abarcando até mesmo os tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário, o constituinte delegou ao Poder Judiciário a incumbência de garantir sua efetividade em face dos mais diferentes e escusos interesses que porventura atravessarem a caminhada democrática.
2 – Assim é que os magistrados brasileiros devem nortear sua atuação pelo absoluto respeito ao Estado Democrático de Direito e a todos os princípios e fundamentos que dele derivam, tais como a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político (CF, art. 1º). Ademais, sendo o Poder Judiciário formado por juízes independentes em sua função de dizer o direito ao caso concreto, soa inaceitável qualquer tentativa de influência ou pressão sobre seus membros, seja popular, midiática ou oriunda de grupos detentores do poder político e econômico, sob pena de patente desvirtuamento de seu papel constitucional.
3 – Todavia, com a proximidade das eleições, é preciso que se relembre que, em que pese deva o Poder Judiciário garantir a máxima efetividade dos mandamentos constitucionais, não podem seus membros, sob tal fundamento, comportarem-se com proatividade e ao arrepio da lei, forçando um protagonismo que não é próprio à democracia. Deveras, o crescente extrapolamento das reais funções do Poder Judiciário representa preocupante subversão do ordenamento jurídico e dos princípios basilares republicanos, dentre os quais o da separação dos Poderes (CF, art. 2º), na medida em que a soberania popular representada por agentes democraticamente eleitos vem sendo arbitrariamente substituída por convicções íntimas e particulares de julgadores.
4 – Considerando que todo o poder emana do povo, o voto constitui expressão máxima da cidadania no seio de uma sociedade minimamente democrática. Ora, estando os direitos políticos situados no inegociável terreno dos direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros, cabe ao Poder Judiciário sua absoluta proteção, a fim de que não se admita qualquer retrocesso. A garantia de que a escolha popular seja, de fato, livre, passa pela necessidade de construção um ambiente pacífico, sendo certo que os recentes impasses protagonizados pelo indevido ativismo do Poder Judiciário, sobretudo por sua Corte máxima, somente prejudicam tal desiderato.
5 – Ainda, merecem repúdio as cada vez mais habituais declarações de alguns setores das Forças Armadas em relação ao processo eleitoral, seja por representarem total distanciamento do papel que lhes é reservado pela Constituição Federal, seja por promoverem instabilidade e acirramento de discursos polarizados no já fragilizado ambiente democrático brasileiro.
6 – As ameaças ao Estado Democrático de Direito devem ser tratadas e repelidas com rigor pelas autoridades brasileiras, sobretudo considerando as nefastas consequências advindas da ascensão de regimes opressivos e totalitários na História não somente nacional, mas mundial. Nesse ponto, lembramos que o golpe militar de 1964 não pode ser classificado como um simples “movimento”, sob pena de apagamento e naturalização da política de tortura, morte e perseguição institucionalizada pelo Estado Brasileiro contra seus cidadãos – muitos deles cujos corpos até hoje não foram localizados.
Assim, amparada na convicção de que cabe ao Poder Judiciário a garantia do cumprimento irrestrito da Constituição Federal, a Associação Juízes para a Democracia (AJD) clama pela responsabilidade das autoridades competentes, assegurando que as urnas representem a vontade livre e soberana do povo, sem quaisquer interferências, a fim de que o Estado Democrático de Direito não sucumba frente a interesses absolutamente desvinculados da nação. Repudia-se, ainda, toda e qualquer tentativa de minimização do regime de exceção vigente no Brasil entre os anos de 1964 e 1985, fundado na imposição de um Estado ilegítimo forjado na força bruta, no medo e no silêncio de seus opositores.
São Paulo, 3 de outubro de 2018.