Depois de superarem a dor de abandonar a família, os amigos e a cultura de um país destruído por uma crise política e econômica, refugiados venezuelanos que encontraram abrigo em Minas enfrentam agora o desafio de recomeçar a vida. Estima-se que, somente em 2019, cerca de 200 imigrantes desembarcaram em terras mineiras. A maioria está acolhida na capital, segundo levantamento da Cruz Vermelha.
Abrigados temporariamente em casas de apoio, muitos deles ainda estão à procura de emprego formal, passo essencial para conseguirem a independência financeira da qual tanto precisam para refazerem a vida e resgatarem quem ficou para trás.
O ex-empresário Enwelbert Jesus Rondon, 39, buscou refúgio no Brasil depois de ver ruir na Venezuela um negócio que construiu ao longo de anos de trabalho. “Cheguei a terceirizar até 60 funcionários, mas de 2017 em diante a coisa ficou muito ruim”, lembra ele, que é especialista em refrigeração e elétrica. Para pagar dívidas e comprar comida, ele vendeu uma casa, ferramentas de trabalho e uma motocicleta.
Desde que atravessou a fronteira com o Brasil, Rondon carregou terra e roçou terrenos para conseguir dinheiro. Em BH há um mês, ele usa as redes sociais para fazer “bicos” e firmar parcerias em serviços de manutenção em equipamentos de ar-condicionado. O pouco dinheiro que ele obtém usa para cuidar da mulher e o caçula, de 1 ano, que vieram com ele. Mas falta dinheiro para sustentar outros quatro filhos, que ainda estão na Venezuela. “Quero trazê-los para cá”, diz o refugiado.
A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) não sabe quantos refugiados há em Minas, mas informou que a Subsecretaria de Trabalho e Emprego tem conversado com organizações de sociedade civil e empresas “para que a rede do Sistema Nacional de Emprego (Sine) identifique possíveis vagas no interior do Estado”.
A maioria das oportunidades de emprego, por enquanto, ainda surge com o auxílio de instituições como o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados, que intermedeia o contato entre imigrantes e empresas. Na capital, o projeto Refúgio 343 e a organização comunitária Casa de Apoio Chico do Vale, no bairro Ouro Preto, região da Pampulha, também ajudam nessa busca por trabalho.
É com esse tipo de oportunidade que a refugiada Yusmaris Isbelia Cedeño, 25, sonha para buscar a filha, de 10 anos. A menina ficou na Venezuela com a avó paterna. Em um lar temporário da capital há dois meses, a jovem diz ter experiência como faxineira e vendedora, e não faz exigências para conseguir emprego: “Eu posso fazer o que quiserem. Se eu não souber, aprendo”, garante.
"A questão é ajudar pessoas"
De refugiado venezuelano a instrutor social que acolhe compatriotas na Providens – Ação Social Arquidiocesana –, Daniel Zerpa, 20, pensa que a dificuldade de comunicação ainda é um empecilho para que imigrantes consigam uma oportunidade de emprego. “A língua ainda influi muito. Mas muitos empresários pensam que a contratação de um estrangeiro é mais burocrática, o que não é verdade”, observa.
O advogado Rafael Rezende, líder operacional do Refúgio 343 – projeto que ajuda a interiorizar venezuelanos –, afirma que os refugiados estão empenhados em trabalhar. “O que posso dizer para os empresários é: deem uma oportunidade. A questão não é ajudar venezuelanos, mas ajudar pessoas em dificuldade”, diz.
Para Helenice Natalina Silva, coordenadora da Casa de Apoio Chico do Vale, que acolhe refugiados no bairro Ouro Preto, na Pampulha, uma maior atuação do poder público poderia elevar as chances de empregabilidade dos imigrantes. “Mas não tem ajuda. Quem os apoia é a sociedade civil”, reclama.
Em nota, o Estado informou que “a Subsecretaria de Trabalho e Emprego tem desenvolvido esforços para que os refugiados tenham acesso não apenas a oportunidades de emprego como a serviços que permitam que deem continuidade às suas vidas”.
Entrevista
Walter Santos - Coordenador de Voluntariado da Cruz Vermelha
Quais são os empecilhos enfrentados pelos refugiados venezuelanos na busca por emprego em Minas?
Eles enfrentam dificuldades de adaptação com a nova cidade e também com a língua. Mas são pessoas que estão tentando recomeçar a vida com dignidade e buscam emprego para poderem trazer a família que ainda se encontra em situação difícil na Venezuela.
Qual o perfil profissional do venezuelano que chega a Minas Gerais?
Muitos pensam que essas pessoas, por serem refugiadas, não têm estudo ou domínio da cultura. Mas são profissionais com conhecimentos específicos, pessoas instruídas, como professores, policiais, engenheiros.
Mesmo quem tem formação em nível superior está disposto a trabalhar em atividades que exigem menor escolaridade?
Quando aparecem vagas de limpeza e serviços gerais, por exemplo, eles aceitam. Creio que estão abertos a empregos com remuneração menor, porque essa é uma porta de entrada para um sucesso futuro. Os empresários parceiros ainda são poucos, e a situação econômica do nosso país não ajuda. Talvez se esse cenário mudar, as coisas melhorem para eles também.