Brasília - Se mais de 60% da população brasileira rejeita ter armas em casa, a rejeição à caça de animais e quase unanimidade no país. Segundo pesquisa do Ibope realizada por encomenda da WWF-Brasil e divulgada nesta quarta-feira (22), Dia Internacional da Biodiversidade, 93% da população, é contra a caça. Entre as mulheres, a rejeição chega a 95%
O dado é um importante indicador na luta de coletivos da sociedade civil e de parlamentares contra uma série de projetos de lei de deputados ruralistas, em especial o de número 6268/2016, de autoria do deputado Valdir Colatto (MDB-SC), atualmente em tramitação. A opinião esmagadora da população é ainda importante subsidio contra o decreto 9785/2019 do presidente Jair Bolsonaro, que facilita o porte de armas e a compra de munição, o que é visto por especialistas como uma grande ameaça à fauna silvestre, por facilitar a caça amadora.
"A tentativa de desfiguração do Código Florestal, por meio da MP 867 que anistia o desmatamento, o decreto das armas do atual presidente e o projeto de lei da caça em tramitação não são atos isolados; estão todos conectados e são um perigo para a biodiversidade do Brasil. É um enorme retrocesso e todos fazem parte da mesma estratégia", afirma Michel Santos, gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil, à jornalista Renata Andrada Peña. "Precisamos estabelecer um acordo pela natureza para garantir a sobrevivência das pessoas. E a população sabe disso: em todas as categorias da pesquisa – gênero, idade, escolaridade, região – o resultado sempre foi categórico, mais de 90% sempre contra a caça", completa Santos.
A pesquisa Ibope foi lançada na Câmara dos Deputados em evento promovido pela Frente Parlamentar Ambientalista, pela Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Animais, pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, pela Subcomissão Permanente em Defesa dos Direitos dos Animais e pelo WWF-Brasil.
O deputado Fred Costa, coordenador da Frente Parlamentar em Defesa dos Animais, vestindo a camisa do WWF-Brasil, parabenizou o trabalho realizado há décadas pela Organização na defesa do meio ambiente e repudiou o panorama ambiental atual, promovido pelo governo federal. "Não quero fazer uma crítica generalizada ao governo, mas sim uma muito específica sobre o tema que nos une aqui hoje. Estamos vivendo um retrocesso sem precedentes. É vergonhoso que em pleno século 21 ainda estejamos trabalhando contra a caça no Brasil. O Brasil poderá ser protagonista em breve de uma vergonha mundial: ser um país que libere a caça. Precisamos nos unir contra essa vergonha", afirmou Costa, que durante o evento, levou um abaixo assinado com mais de 46 mil assinaturas contra a liberação da caça.
Alessandra Gali, do Centro Universitário de Curitiba foi veemente: "a Constituição Federal de 1988 prevê a função ecológica da fauna e proíbe qualquer submissão dos animais à crueldade. Portanto, qualquer projeto que libre a caça é inconstitucional. Além disso, deveríamos entender que no Brasil temos muito mais a ganhar economicamente com a proteção da fauna do que com a liberação da caça".
O biólogo e mestre em Ecologia, Roberto Cabral mostrou, durante o evento, uma série de fortes vídeos de caçadores em ação. "Os vídeos demonstram que os animais não morrem rapidamente. Eles sofrem muito e, na maioria das vezes são torturados pelos caçadores", explicou Cabral. "Não é possível defender a caça sob o aspecto da tradição. Ela deve ser confrontada com a ética. Todos usamos cadeirinhas nos carros para levar as crianças atualmente. Não era assim há 40 anos, quando elas iam soltas. Já houve um tempo em que professores fumavam nas salas de aula. Hoje nenhum desses dois exemplos é possível porque avançamos eticamente. O mesmo deve ocorrer com a caça. Não podemos permitir um retrocesso", argumentou o biólogo. "Além disso, os caçadores buscam o animal mais forte, o mais bonito, contrariando as leis da seleção natural das espécies", disse Cabral.
Durante o evento também foi divulgado manifesto contra a caça assinado por mais de 700 organizações, parlamentares e personalidades. Um abaixo-assinado online já reúne quase 500 mil adesões. O WWF-Brasil levou o manifesto ao líder do governo na Câmara, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO).
O PL da caça em tramitação
Nilto Tatto (PT-SP), relator do projeto de lei que facilita a caça no Brasil presidiu o evento de hoje. O deputado, presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, afirmou que é necessário um grande esforço de toda a sociedade para barrar o avanço do projeto. "Temos dados que nos mostram que existem pelo menos 5 mil empresas ativas criando animais para caça amadora no Brasil. Nosso trabalho é árduo, mas vamos trabalhar para que o projeto não seja aprovado e seja arquivado", disse. "Vivemos um momento global em que as espécies estão sendo extintas em ritmo acelerado. No Brasil, particularmente, estamos vivenciado retrocessos que podem ter consequências gravíssimas. Temos que nos unir, todas a pautas, direitos humanos, alimentação, meio ambiente. Todos juntos pelo planeta e por nosso futuro". Afirmou.
Números da pesquisa
O Ibope ouviu 2002 pessoas em 142 municípios e apontou uma sólida regularidade nos resultados quando analisadas as respostas por grupos de gênero, escolaridade, situação econômica ou localização geográfica. Entre as mulheres, a rejeição à caça chega a 95%, enquanto que, para os homens, é de 90%. A condenação à prática aumenta na mesma proporção do nível de instrução. Chega a 94% para quem tem curso superior completo, a 93% para os que cursaram entre a 5ª e a 8ª série (93%) e a 90% entre os que têm até a quarta série do ensino fundamental. Os moradores de capitais e municípios de periferia apresentam índice de rejeição de (95%). Nas cidades do interior, esse número é de 91%.
Quando são comparadas as regiões geográficas, os altos índices de rejeição se mantêm. O menor aparece no Nordeste (91%) e o maior está no Sudeste (94%). Nas regiões Norte e Centro-Oeste, o índice é de 92%, enquanto que na região Sul chega a 93%. A rejeição também se mantém praticamente inalterada nas diferentes faixas de renda familiar: 91% nas famílias que ganham até 1 salário mínimo, 93% entre 1 e 5 salários mínimos e chega 90% nas famílias que ganham mais de 5 salários.